CO-3171
Mariano, Olegário. [Carta] 1930 jul. 4,
Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, Paris. 5 p. [manuscrito]
Candinho, meu nego...
Há bem três meses que não te escrevo! Parece incrível! Mas não deves levar a sério o meu silêncio porque sabes que continuas a ocupar na hospedaria de habitação coletiva do meu coração o quarto mais confortável. Demais, aqui nesta casa o pessoal fala em ti como se tivesses vindo jantar ontem. Com o mesmo carinho de sempre.
Agora vou dizer-te um pouco da minha vida que não tem sido nem feliz nem próspera ultimamente. O Mangabeira, muito meu amigo, mas sem comissão a dar-me, a não ser uma coisa de três meses que só poderá prejudicar-me junto à Mechanica. Como sabes, meio avariado do fígado, passei com sacrifício um mês em Caxambu e aconteceu essa coisa inédita que só a mim poderia acontecer: uma bruta crise no dia da minha chegada ao Rio! Em uma noite perdi o que havia ganho em um mês de águas. Mas não importa. Estou refeito e pronto para a luta.
Há dias encontrei um amigo, o Léo Osório, que me deu notícias tuas. Disse que te vira em San Sebastian com o Santiago, carregando malas, caixas de pintura, etc., etc.
Já estiveste com o meu querido amigo Dr. Afrânio? Procura-o em meu nome já que não pude vê-lo à partida, porque estava em Caxambu. Nem avalias o que fizeram com ele na Câmara! São uns monstros! Trocar uma figura mental como aquela por indivíduos desclassificados e [ilegível], passa o limite da semvergonhice humana. Afrânio, sozinho, vale um Parlamento, pelo caráter e pela inteligência. Procura-o e dá-lhe uma porção de saudades minhas.
E como vamos de arte? Modernista, passadista ou amphibio? Vê lá, capenga de uma figa, se vais envergonhar o teu padrasto quando voltares...
Maria Clara faz-te uma encomenda: uma mala – guarda-roupa. Mas, ouve bem: é encomenda. Do contrário é melhor não trazer...
Do cordão precatório quase não tenho visto ninguém. O Leite, se não morreu de fome, não sei por onde anda. O Faria também desapareceu totalmente da circulação. Enfim, não vejo ninguém da turma artística, a não ser o Humberto Cozzo, que se queixa muito de que não lhe escreves. Manda-lhe um cartão para a rua Augusto Severo, 84.
Sabes que estive em Caxambu com o Ettore Pezzanato, o teu companheiro de miséria e de boemia? Contou-me coisas engraçadíssimas da vida que levavam... Gostei muito dele.
Agora vou reiniciar a minha correspondência contigo.
Não te esqueças nunca do teu amo, que é mais do que isso, é um irmão.
Olegário