Há uma canção de Gabriel Fauré, um dos mais reconhecidos compositores franceses da virada do século, chamada “Après un rêve”. Canta os lamentos de alguém que, encontrando nos sonhos uma imagem maravilhosa com a qual ascende prazerosamente ao céu, clama por voltar a dormir quando o sonho chega ao fim. O título da pintura de Virgílio Maurício (1892-1937), pintor alagoano que fez fama tanto no Brasil quanto na França, parece fazer referência ao canto: uma mulher nua desperta languidamente, e sua consciência talvez ainda passeie mais sobre a lembrança do sonho do que sobre o que tem diante dos olhos. A mão tocando o seio sugere comoção. No entanto, a imagem idealizada da mulher, o ambiente impreciso e a sensualidade da cena levam-nos a considerar que, assim como a canção de Fauré é o lamento daquele que acordou, também o quadro de Maurício é a sua forma de evocar o retorno da fantasia, e na imagem da mulher que desperta em desejo imaginamos refletir-se a imagem do pintor que retrata seu sonho. Ela, figura inalcançável, intocável; e ele, figura que perambula entre a fantasia e o despertar.
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