CO-3048
Machado, Aníbal. [Carta] 1948 maio 17,
Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari,
Montevidéu. 2 p. [manuscrito]
Caro Portinari
Que você, Maria, Inês e o maravilhoso João Candido estejam passando bem. Constantemente, temos tido notícias de vocês; as últimas, pelo Michel Simon. Vocês são sempre lembrados aqui, onde realmente deixam um vazio sempre que se afastam. Mas esperamos tê-los brevemente de volta. Na verdade, o Rio não está valendo a pena agora, conquanto os sinais da reação, pelo menos os sinais mais visíveis e enervantes, já estejam escasseando sensivelmente. É vergonhosa a nossa posição de cócoras em face da América do Norte. Chega a dar saudades do Getúlio... O Congresso é como se não existisse; e seria inexistente se não houvesse lá algumas vozes livres, raras e corajosas. Apesar de tudo, a gente nunca perde a esperança no povo brasileiro, cujo valor não pode ser apreciado pelos que o exploram, é claro!
Como ficou bom o álbum da Penguin sobre você! E o texto do Landucci é excelente: uma viagem circular em torno de você e de sua arte. Escrevi uma nota sobre o mesmo para “Literatura”. Ontem, o suplemento do “O Jornal” deu um trabalho do Campofiorito a respeito de você. Estou certo de que você não será incomodado quando voltar, dado o respeito que lhe têm até mesmo os seus adversários políticos; mas não tenho dúvida de que aí, em Montevidéu, o ambiente é mais propício à sua criação artística. Compreendo, entretanto, que vocês já devam estar sentindo os apelos afetivos do Brasil, que são numerosos. Tenho trabalhado ultimamente: ficção. Foi depois da minha viagem à Europa que me nasceu o estímulo. Falei algumas vezes com a Olga pelo telefone e estive com o seu irmão mais moço, que é muito simpático. Fiz-lhe entrega de um cheque de 10 mil cruzeiros. Ficam faltando 2 mil que espero entregar brevemente. Vocês me desculpem o atraso, devido à demora em receber um dinheiro que me estava prometido há muito tempo. Não queira saber como me valeram, nos momentos de aperto em Paris, aqueles francos que você tinha depositado com o Jayme de Barros! E que saudade a Europa me deixou, sobretudo a França e a Itália! Um dia voltarei... Falta a Espanha. Quando se chega da Europa é que mais dolorosamente se sente o quanto terá que caminhar o
Brasil para ser alguma coisa. Mas a gente, por mais universalista que tenha o espírito, nunca perde a esperança. A desgraça é o nacionalismo, invenção fascista.
Diga a Maria que Selma e as meninas mandam um grande abraço. Maria Clara anda agora metida com o teatro de bonecos. Ela mesma faz os bonecos, escreve as peças e representa. É bem engraçado e apaixonante. Já está fazendo disso uma meia profissão, pois atende a chamados em festas de família. A cidade está estes dias cheia de rotarianos do mundo inteiro. Muito sorridentes e endinheirados. De um modo geral a vida aqui está... besta.
Recomende-nos a Maria, Inês e ao João Candido.
Um abraço fraternal do seu velho amigo
Annibal