CO-1740
Ferreira, Joaquim Rocha. [Carta] 1938 fev. 23, Florença, ITA [para] Candido Portinari, [s.l.]. 4 p. [manuscrito]
Caro Portinari
Saúde.
Encontro-me em Florença, de passagem, mas vou te contar porque devo me demorar algum tempo. Um meu amigo, Antonio Dutra, pensionista do E. de S. Paulo, matriculou-se aqui na escola de B.A. de Florença e freqüenta a aula do Carena, que é pesidente da escola e professor de pintura da mesma. Pedi ao Antonio que falasse ao Carena ao meu respeito e dissesse que eu desejava visitar o estúdio dele. Resultado, no dia seguinte fui à escola, visitei as aulas – são 4 salas de pintura , 2 modelos em cada sala e o Carena tem um assistente que acompanha os trabalhos, posa os modelos, etc., que é o Prof. Pozzi, muito camarada e amigo dos alunos. Depois da escola, fomos com o Carena ao atelier dele, que fica no mesmo edifício da escola e deparei com 3 salas cheias de desenhos e quadros vários, que eu já conhecia por fotografias, e um grande que ainda não está pronto, representando um grupo de homens jogando xadrez , que ainda não está pronto, belo quadro. Sempre com as características dele, mas muito diferente dos (Apóstolos), pois o Carena, dizem todos aqui, evolui sempre. Encontrei muitas naturezas mortas, muito quentes de cor, enfim, entusiasmei-me e, à saída, disse-lhe que, para mim, o fato de visitar o estúdio dele era “un giorno de festta” e que se não estivessem encerradas as matrículas da escola, eu teria orgulho de freqüentar uma aula dirigida por um mestre como ele. Qual não foi a minha surpresa ouvir do Carena o seguinte: “Amanhã vá à escola e pinte o modelo que mais lhe agradar”. Já comecei o nu, todos ficaram admirados com o caso, mas, todos, quando se referem ao Carena, dizem a uma voz: “É tantto buonaro”. Todos chamam o Carena de Excelência, pois ele é acadêmico da Itália.
Sem mais, lembranças a Maria, Olga, José e receba um forte abraço do amigo
Joaquim
Houve uma festa na escola e o Carena fez uma preleção e aconselhou os alunos a se inspirarem sempre nos antigos bons pintores e, nas aulas, tem várias fotografias de retratos de Rembrandt, afrescos de Giotto, e outros mais, pelas paredes, como na tua sala da Universidade.
Os alunos ficam pintando um nu, 15-20 dias, pintando e raspando e tornando a pintar, procuram muito e trabalham com entusiasmo. O Carena só se interessa pelos alunos que sabem alguma coisa, e os outros ele passa longe e nem olha, nem quer ver. Ele está, agora, com 56 anos de idade e, só no atelier, eu vi uns 10 auto-retratos, todos diferentes e muito expressivos. A cor preferida dele é terra rossa, terra vermelha.
Tenho visto muitos afrescos mas, dos antigos, o que está mais bem conservado é a “Ceia” de Andrea del Sarto, que parece que foi pintada hoje. Soube aqui que é do bom afresco. Os afrescos de Giotto, Masaccio, Rafael, etc, foram retocados à têmpera pelos mesmo, daí o fato de não resistirem. Todos aqui pintam a fresco na escola, principalmente, e os concursos do governo são executados a fresco preparado num chassis de madeira. Se você quiser o livro do Cenino Cenini, eu te mando pelo correio.
Tenho a certeza que você vai ser feliz na execução dos teus afrescos.
O Professor de afresco daqui da escola, que é o Prof. [ilegível] (dizem aqui que é o melhor da Itália) me falou que os afrescos de Pompéia são terminados a cera.
Conheço um escultor florentino que ganhou um premio num concurso de afrescos.
O meu endereço é Via degli Artisti, 23 Roma.
Escreva-me e diga-me se pretende vir por aqui.
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