CO-268
Andrade, Mário de. [Carta] 1940 jan. 14, São Paulo, SP [para] Candido Portinari,
Brodowski, SP. 2 p. [manuscrito]
Portinari
Recebi sua carta. Estou doido por saber como se resolve a sua situação no Rio com o Capanema, mas não sei quando poderei chegar até Brodowski pra conversar com você.
O José há de lhe contar as minhas doenças todas e prisões aqui. Talvez vá pra [ilegível], curar, ou milhor, combater as amebas. Além disso, estou muito neurastênico com a retirada dos dentes, o traumatismo foi danado, vivo mais na cama que de pé. O mais certo é primeiro ir passar uns dias na fazenda de uns parentes, curtir a minha neurastenia sozinho. Só depois pensarei em dar um pulo até essa boa terra. Por enquanto não posso porque estou intratável, sem vontade de conversar com ninguém, gostando só de ficar sozinho no meu quarto, cem por cento mal-educado.
Quase não tenho visto ninguém aqui, pois não saio de casa. Só os que me visitam é que vejo e não deixo contarem intrigas, não sei o que está se passando nos arraiais da pintura nem noutro qualquer arraial. Cada vez mais solidão, mais solidão e esta decisão firme de ficar cada vez mais só, vivendo dentro comigo.
Imagino, pela sua carta, que vidinha boa vocês estarão passando aí. O José me contou como está o João Cândido e fiquei cheio de ternura, desejoso de ver o pecurrucho - ele é que vai aproveitar mais esse ar santinho da roça. E sei que você já se enterrou na pintura outra vez, êta, operário da nação!...
Bom, lembranças minhas muito afetuosas pra todos os seus, pais, Maria, Olga e a bênção de Deus para o João Cândido.
Com o maior abraço amigo do
Mario