Entrevista: Marcílio Marques Moreira
Escassez de ética
O ex-presidente da
Comissão de Ética diz
que falta sensibilidade
ao governo e que, hoje,
quem respeita a lei é
considerado imbecil
Otávio Cabral
0 Moreira está na vida pública há
cinqüenta anos e onze presiden-
tes. Foi assessor especial do Ministério
da Fazenda no governo João Goulart,
ministro da Fazenda do governo Collor
e, até o mês passado, presidente da Co-
missão de Ética Pública no governo
Lula
órgão responsável pela análise da
conduta dos altos funcionários da Repú-
blica. Uma de suas últimas ações foi
apontar o conflito de interesses que ha-
via no fato de Carlos Lupi acumular o
cargo de ministro do Trabalho e a presi-
dência do PDT. O embaixador recomen-
dou que ele abandonasse um dos postos.
De início, o ministro não só não lhe deu
ouvidos como ainda recebeu o apoio in-
condicional do presidente Lula. Depois
acedeu. Mas, desapontado, Marcilio dei-
xou a comissão antes. O embaixador diz
que o episódio, além de revelador da fra-
gilidade dos princípios éticos dos gover-
nantes, teve um efeito pedagógico. Em
entrevista a VEJA, ele não critica direta-
mente a postura do presidente Lula no
episódio, mas diz que a sensibilidade éti-
ca não é uma característica marcante dos
ocupantes de postos importantes em
Brasília, principalmente no Palácio do
Planalto.
Veja - senhor deixou a presidência da
Comissão de Ética Pública há três sema-
nas, embora seu mandato terminasse
apenas em maio. Por que o senhor saiu
do cargo abruptamente?
Marcilio - Achei que minha contribui-
ção estava esgotada. Fiz tudo o que devia
ter feito, e não tinha mais como ajudar
porque a atuação da comissão ficou mui-
to "fulanizada". Virou uma disputa mi-
nha contra o ministro Lupi, o que era
prejudicial à própria comissão. Achei
melhor prosseguir na luta pela ética em
outros fóruns.
Veja - Desde novembro o senhor alertava
para o fato de Carlos Lupi ocupar os dois
cargos. Na semana em que o senhor deixou
o cargo, pipocaram denúncias de favoreci-
mento pelo ministério a entidades ligadas
ao partido, o que acabou obrigando o mi-
nistro a deixar a presidência do PDT. Foi a
prova de que o senhor tinha razão?
"Preocupa-me ouvir
declarações de
autoridades no
sentido de que
transgressões
são rotineiras
na vida pública
brasileira.
Isso é
inaceitável"
Marcílio-Sim, foi a demonstração clara
do conflito de interesses, uma definição
que não é bem compreendida pela classe
política. Nós alertamos sobre esse risco
não só para evitar desvios, mas também
para resguardar a própria autoridade. Es-
se conceito de ética pública é recente.
Nos
Estados Unidos, que são um dos pio-
neiros, o primeiro conselho de ética sur-
giu com John Kennedy. Depois, Lyndon
Johnson lançou uma norma chamada de
ato da percepção, que definia que a auto-
ridade pública não precisa apenas ser cor-
reta, tem de parecer correta. Isso inspira
confiança e respeito. Quando uma autori-
dade serve a dois chapéus, o público fica
veja 19 de março, 2008 11