Como o senhor analisa a cultura brasileira
de hoje e nos tempos da Tropicalia?
• O tempo da Tropicalia era o de um Brasil em
fase de intensificação do processo de moder-
nização, num mundo em fase de grandes trans-
formações políticas, sociais e econômicas. A
vida cultural do país sofria o impacto dessas
transformações na cultura internacional e, por
sua vez, impactava de volta toda a vida nacio-
nal brasileira. A literatura e a música, o teatro e
o cinema, o esporte e as comunicações, o
consumo e o comportamento, tudo na vida
brasileira era objeto das atenções coletivas,
tudo era cenário para novas formas de
expressividade cívica, tudo era laboratório para
experiências de emancipação e desenvolvi-
mento. Era o desejo e o impulso para a mo-
dernização tardia que precisávamos fazer para
que o país alcançasse o patamar de nação
avançada. Havia pressa e sofreguidão. Havia
orgulho pelo genuíno e espontâneo da nossa
cultura, pelo criativo e inusitado do nosso
modo de ser, pelo lugar particular e destacado
que poderíamos vir a ocupar no mundo que
começava a nova globalização.
Muito se conseguiu e muito se frustrou. De
modo que hoje chegamos ao tempo pós-
moderno ainda com imensas tarefas das fa-
ses anteriores da História por realizar, mas já
tendo muito que apresentar neste contexto de
interdependências e compartilhamentos com-
pulsórios que caracteriza o mundo contem-
porâneo. A nossa cultura tem vantagens para
os dias atuais, advindas de uma certa desvan-
tagem remanescente dos tempos da moder-
nização inconclusa de ontem. Ou seja, o Bra-
sil poderá vir a se beneficiar do que deixou de
fazer ontem, por poder fazê-lo agora de manei-
ra mais nova. O Brasil pode tirar partido do
seu próprio paradoxo, do seu próprio viés
assimétrico, para chegar mais rápido a um
lugar central num mundo de paradoxos com-
partilhados e assimetrias globalizadas.
O projeto Mais Cultura, do Governo Fede-
ral, pretende investir quase cinco bilhões
nos próximos três anos. Como será a dis-
tribuição dessa dotação pelas diversas
áreas? Há prioridades?
• Há prioridades estabelecidas por vários cri-
térios: territórios especiais, setores sociais
prioritários, áreas culturais mais carentes, re-
giões menos atendidas e assim por diante,
sempre buscando levar mais a quem mais
precisa, segundo necessidades consensua-
das e atendimentos pactuados, como tem
buscado toda a política social do governo
Lula.
O senhor acha que a maioria das pessoas
consegue diferenciar o músico do minis-
tro?
• Essa capacidade de diferenciar é resultado
de um aprendizado do que seja a própria atu-
ação do ministério e o papel do ministro nes-
sa atuação. O trabalho do ministério tem sido
exposto naturalmente à avaliação popular e o
desempenho do ministro é avaliado junto com
o do ministério. O artista, ainda que associe a
sua imagem à do ministro, não tem muito a
contribuir para o trabalho deste, a não ser com
a dimensão representativa que lhe confere o
fato de atuar num setor importante-a música
da vida cultural do país.
Em seu novo show, o público será liberado
para gravar o que quiser usando câmeras
fotográficas, vídeos e celulares. Por que a
liberação?
. São exigências experimentais da própria
realidade social dessas novas tecnologias.
Afinal, as câmeras, os celulares, os computa-
dores, as redes eletrônicas, tudo isso tem sido
colocado à disposição de sociedades inteiras
para que elas se aperfeiçoem nos seus usos.
Alguém tem que estimular esses usos e a sua
socialização intensiva e extensiva. É isso que
tenho tentado fazer com tal atitude.
O senhor acha que, sendo a internet uma
forma alternativa para muitos artistas di-
vulgarem seus trabalhos, isto não incenti-
va a pirataria? Em sua opinião, quais as
melhores medidas para se combater a pi-
rataria?
• Toda inovação tecnológica que propicia
ampliação de acesso e facilidade de reprodu-
ção de qualidade estimula a particularização
dos usos. Chamar de pirataria essa possibili-
dade de particularizar o uso dessas novas
tecnologias, simplesmente porque esse uso
possa estar dissociado de algum interesse
comercial estabelecido e fora do alcance dos
seus controles, parece ser uma simplificação
perigosa. Há muita coisa que vem sendo clas-
sificada de pirataria que não deveria ser clas-
sificada como tal. Há mudanças que preci-
sam ser feitas nas leis para que elas se ajus-
tem às novas exigências da realidade
tecnológica, e não o contrário: para que as
novas realidades se ajustem às velhas leis.
Cada vez mais, artistas divulgam suas
músicas pela internet. O senhor acha que
esta nova tendência veio para ficar? O CD
pode acabar?
• Sim, a nova tendência veio para ficar. Os
CDs existirão ainda para os setores da popula
ção que não têm acesso a computadores,
celulares, etc. Como sabemos que esse aces-
so vem aumentando dramaticamente, é qua-
se certo que os dias do CD, como dono do
mercado, já começam a ser contados.
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