A TIPOLOGIA DE OVALLE
APLICADA À ÉPOCA ATUAL
"Dantas", "Parás","Kernianos",
"Mozarlescos" e "Onésimos" foram
assunto em várias mesas de bar na Flip.
Veja os nomes da cultura brasileira atual
que foram lembrados e faça sua própria
lista. Cuidado: a brincadeira vicia
CHICO BUARQUE - O DANTAS
É um exemplo bem-acabado
da categoria que engloba os
bem-intencionados.
Ovalle dizia que todos querem
ser Dantas, o que torna a
associação perfeita - afinal,
todos querem ser Chico
Buarque. Principalmente
os homens.
GILBERTO GIL - O PARÁ
Seria um Dantas, se não tivesse
enfrentado o mesmo percalço do
patrono da categoria, ,0
economista San Thiago Dantas.
Ao se tornar ministro, San Thiago
foi promovido a Pará. Por
analogia, enquanto estiver no
governo, o compositor será um
paraense no mundo dos Dantas.
WAGNER MOURA - O
MOZARLESCO Como bom ator,
trafega pelos cinco tipos,
repetindo o pintor Cícero Dlas.
No papel do melancólico Hamlet,
no entanto, constitui um tipo
acabado de Mozarlesco. Não
chora com o luar de Paquetá,
mas lacrimeja nos monólogos do
personagem.
ARNALDO JABOR - O
ONÉSIMO Com sua veia
irônica, é o Onésimo oficial do
Brasil de Lula. Ovalle falava
que nessa categoria estão os
que esfriam os ambientes com
sua lucidez cortante. OK, mas
Jabor tem companhias ilustres.
Machado de Assis e Gilberto
Freyre eram Onésimos.
JOHN NESCHLING - O
KERNIANO Kernianos são
generosos e competentes -
mas também indomáveis. Com
seu espírito Indomável, John
Neschling criou a melhor
orquestra brasileira. Por seu
espírito Indomável, val deixar
o cargo em 2010. Pelo menos
é o que dizem.
nheciam. Por seus arroubos, Augusto Frederico Schmidt
era considerado Kerniano. Ovalle, o criador da tipologia,
reservava-se o direito de se considerar um Dantas - a ca-
tegoria à qual todos queriam pertencer. Sobre o pintor Cl-
cero Dias havia uma dúvida. Ele se achava Dantas, dava a
impressão de ser Kerniano e havia quem o classificasse
como Mozarlesco, devido a suas olheiras. E o escritor Gil-
berto Freyre, apelidado ironicamente de "modesto socio-
logo", seria um exemplo acabado de Onésimo - pela for-
ma irônica com que ignorava ironias como essa.
Na cultura brasileira, a existência de rodas de boteco
como a de Ovalle ganha interesse na medida em que ali-
mentou a criatividade dos artistas que se reuniam em vol-
ta dos copos, Manuel Bandeira costumava dizer que o livro
Libertinagem, no qual realiza de forma mais acabada seu
projeto de poesia modernista, devia muito à incorporação
das conversas com amigos. A amizade boêmia que reuniu
Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resen-
de e Helio Pellegrino - esmiuçada em outro belo livro de
Humberto Werneck, o Desatino da Rapaziada - também
alimentou as criações de todos eles. Vinicius de Moraes
não participou ativamente da turma de Fernando Sabino,
mas fundou a própria igreja boêmia - com a qual, anos
mais tarde, inventaria o estilo musical pelo qual até hoje o
Brasil é conhecido no exterior, a cinqüentona bossa nova.
Hoje os artistas brasileiros não cabem mais no mes-
mo boteco nem na mesma cidade. A criação artística é
pulverizada, e todos têm horror a formar escolas. Será
possível a repetição de um ambiente cultural como o do
Rio de Janeiro no século passado, que é descrito em O
Santo Sujo? Ou mesmo um artista como Jayme Ovalle?
Essas perguntas ficaram no ar depois do debate mais co-
mentado da Festa Literária de Parati, no mês passado, em
que Humberto Werneck se reuniu com os escritores Pau-
lo Roberto Pires e Xico Sá. E que se prolongou da mesa li-
terária para as mesas de bar, fazendo da "Nova Gnomo-
nia" assunto recorrente entre os participantes da Flip, que
aplicavam as categorias ovallianas à cultura brasileira atu-
al (veja alguns exemplos ao lado). Sintoma talvez de que,
mesmo num ambiente em que a conversa de bar foi em
parte substituída pela conversa de blog, a boemia cultu-
ral ainda pode ser tão apaixonante - e quiçá inspiradora
e produtiva - quanto no tempo em que os artistas se reu-
niam em torno da figura mística de Jayme Ovalle. O
O LIVRO
O Santo Sujo: A Vida de Jayme Ovalle, de Humber-
to Werneck. Cosac Naify, R$ 55.
LEIA TAMBÉM
O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Record,
R$ 32.
ARCO RODRIGUES
FOTOS MARCOS FERNANDES
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