mundo do García Márquez também é difícil,
porque ele vive na realidade, mas é ao mesmo
tempo onírico. Ele transcende a realidade dele.
Não só ele, nós somos assim. E para um con-
tinente organizado e "consequente" nós somos
os malucos do hemisfério.
FERNANDA MONTENEGRO e a filha, Fernanda
Torres, em "Casa de areia": filme incompreendido no
Brasil, mas sucesso nos Estados Unidos. Logo acima,
um cartaz de divulgação do filme em Los Angeles. E a
atriz em reunião com Gilberto Gil: luta pela não
divisão da verba com o esporte
Por que vocês dividiram as filmagens entre Colômbia
e Londres?
Fernanda: Na Colômbia não tem uma infra-
estrutura que servisse para as cenas de estúdio.
Pode ser que tenha para uma realidade co-
lombiana. Alguma coisa foi adaptada aos pa-
lácios de Cartagena que sobraram dos espanhóis
FINENDA MONTENEGRO FERNANDA TOSEES
THE HOUSE OF SAND
e têm uma arquitetura muito especial e mágica. A
gente entende a cabeça do García Márquez
quando chega à Colombia. Foi uma novidade
muito quente para mim. Contraceno o tempo
todo com o Barden (Javier Barden), que é um
ator de uma criatividade extraordinária e de um
companheirismo muito caloroso.
Você fala em que língua no filme?
Fernanda: Falo em inglês com sotaque caribenho.
Vamos ver como vai ficar isso depois que a gente
se ouvir. Todo o elenco é latino, mas de diversos
tipos da latinidade. No cinema, quando você
encontra um bom grupo de trabalho, não tem
nada igual. É uma aventura, no convívio com o
espaço, com a natureza que se apresenta, com as
surpresas que isso tudo traz. São acampamentos
que acordam as quatro da manhã. São dias
inteiros perambulando por ruas, por espaços.
Cria-se toda uma realidade nessa fantasia. É
muito diferente do teatro. No teatro você em-
borca, introjeta, você procura se defender no
interior, no útero de um palco.
Quando o filme vai ser lançado?
Fernanda: Em setembro nos Estados Unidos.
Acredito que será um excelente filme, mas não
posso dar todos meus entusiasmos antes de ver.
A que você atribui sucesso de "Casa de areia" no
exterior e o seu fracasso no Brasil?
Fernanda: O sucesso de "Casa de areia" no
exterior é justo. Não temos culpa se no Brasil
não conseguiram ler o filme. Não foi com-
preendido, foi tido como ambicioso. Mas é
maravilhoso, teve críticas consagradoras onde
esteve, com uma temporada excelente nos
Estados Unidos. Não sei dizer por que não fez
sucesso aqui. Não é obrigado a fazer. Se
prevíssemos tudo, só faríamos sucesso. Mas é
um filme feito, um filme assinado, de grande
envergadura cinematográfica, que deu esse
desafio a mim e à Nandinha. É uma história
sobre o feminino, sobre o tempo lunar, sobre o
tempo uterino. Não sei se o momento é este,
para este tipo de temática, talvez a temática
atual seja muito macha para se sensibilizar
com algo que fale especificamente da en-
tidade uterina da vida. Mas isso em nada
diminui a qualidade do filme. Se ele acontece
num lugar e não acontece no outro, são as
compensações da vida.
Como é você como avó?
Fernanda: Não sou uma avó melada, trato as
crianças como seres humanos. Não faço nhe
nhenhém nem tatibitate, mas brinco com eles.
Tenho um convívio muito do coração. Mas em
primeiro lugar estão o pai e a mãe deles, não
disputo poder. Estamos sempre juntos, mas tam-
bém trabalho muito.
Tem alguma cobrança disso, de ser mais presente?
Fernanda: Não posso ficar com as crianças sem-
pre, não tenho disponibilidade. Então tenho um
staff pequeno, muito ligado à casa. A geladeira
está lá, o quarto das crianças está lá. O espaço
também é deles. É, possivelmente, é o segundo
espaço deles. E tem o avô também lá. Acho
importante as crianças terem os avós, e os avós se
verem uma geração além.
7.1.2007 Revista O GLOBO 21
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