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Carnaval 2009
A folia nos
calcanhares
do
Brasil
CARLOS ETCHICHURY
Órfão da agonizante Califórnia
da Canção Nativa, o mais repre-
sentativo festival regional do Es-
tado, Uruguaiana se entrega ao
ritmo da bateria, ao gingado da
periferia e à influência carioca.
É nos calcanhares do Brasil, às mar-
com a Argentina, que emerge o Car-
naval de rua apontado como um dos
mais importantes do país. Aos poucos,
o Carnaval fora de época de Uruguaia-
na, que se iniciou ontem e se estende
até amanhä, causa uma revolução na
cultura local e transforma vidas.
Natural de São Borja, José Bonifácio
Vargas, 40 anos, soldador de colheita-
deiras, troca as oficinas pelos barra-
cões no início do ano. Ele transforma
em realidade o sonho idealizado por
carnavalescos fluminenses. Uma rela-
ção nem sempre amistosa:
- Che, vêm uns desenhos muito ca-
chorros para nós do Rio. Quase sem-
pre mudamos tudo.
Os choques de realidade de Vargas
fazem sucesso.
Esses dias, um cara olhou o carro
e disse: "Ficou um luxo! Você entendeu
bem o espírito da coisa". Mas a gente
tinha mudado tudo - diverte-se ele,
que ganha R$ 4 mil mensais no barra-
cão, mais que o dobro do normal.
Quadra vira a Calçada
da Fama de Uruguaiana
Nas quadras e nos barracões,
profissionais liberais e pecuaris-
tas convivem com domésticas,
desempregados e até campeiros.
- Trabalho como insemina-
dor artificial, como tratorista,
faço de tudo no campo. Só não
roubo nem mato. Quando não tenho
trabalho, venho pra cá - conta Paulo
ZERO HORA > SEXTA 6 MARÇO 2009
Integrantes da Ilha do Marduque se mobilizam nos preparativos para a festa de Uruguaiana, que atrai os cariocas
Augusto da Rosa, 54 anos, o Almeidi-
nha, um dos voluntários da Cova
da Onça.
Almeidinha está sob a orien-
tação de Leonardo Miranda Dri,
um engenheiro civil dono de 367
hectares de lavoura de arroz na vi-
zinha Itaqui. Aos 37 anos, o gran-
jeiro Dri se torna o Boca, o diretor
de barracão da Cova da Onça.
Quando o som de reco-recos, sur-
dos e cuícas ecoa nas quadras durante
os ensaios, sobrenomes famosos sam- uma confusão - brinca Renata Mon
bam (ou tentam) com o povo. É a faceteiro, chefe de cozinha.
democrática do fenômeno - embora Mas é no bairro Ilha do Marduque,
os grupos não se misturem na quadra. na periferia, que se percebe o impacto
Na Cova da Onça, os preparativos mais profundo do Carnaval.
noturnos tornaram-se cool. A presen-
ça de jovens lembra as noites de verão
da Calçada da Fama na Capital, tradi-
cional reduto de gente bonita.
02
- Éramos marginalizados. Hoje,
somos o bairro da escola campeã. Au-
mentou a autoestima do nosso povo
- resume Arlete Tamborena, 51 anos,
uma das responsáveis pela escola.
- Sou Rouxinois, vou desfilar nos
Bambas que homenageiam o Inter e
vim me divertir na quadra da Cova. É
carlos.etchichury@zerohora.com.br