de 1996 fez a última entrevista de
que Verger participou - diálogo que
será exibido no documentário. Co-
mo se fosse o próprio fotógrafo, Gil
percorre caminhos que o levam a Sal-
vador, mais precisamente ao terrei-
ro Axê Opô Afonjá, onde Pierre to-
mou contato com o candomblé, em
1948; e a Benin, na África, onde co-
nheceu o neto do babalao que fez a
iniciação do francês.
Monsieur Fatumbi - Entre an-
danças e conversas, Gil procura re-
velar idiossincrasias de brasileiros e
africanos, tenta estabelecer paralelos
e diferenças. E, acima de tudo, am-
biciona reconstituir a percepção de
Verger sobre a complexidade da cul-
tura negra - uma busca que, para o
compositor, acaba revelando-se utó-
pica diante da dimensão da sensibi-
lidade e do conhecimento desenvol-
vidos pelo francês.
Não se trata mesmo de tarefa fá-
cil, convenhamos. Natural de Paris,
Pierre Édouard Léopold Verger via-
jou, como fotógrafo, por todos os
continentes, o que se intensificou a
partir de 1932, depois do falecimen-
to de sua mãe. Já maduro, deslum-
brado com a cidade de Salvador, de-
cidiu enveredar pelos mistérios do
candomblé, por intermédio espe-
cialmente de Mãe Senhora, do ter-
reiro Axé Opô Afonjá. Mergulhan-
do cada vez mais fundo no univer-
so iorubá, foi a África Ocidental,
onde aprendeu a arte da adivinha-
ção do ifá e, pelas mãos do mestre
NOVEMBRO DE 1998
Gil foi a Benin,
na África, em
busca de
paisagens,
pessoas e
histórias que
o ajudassem a
entender a
trajetória
de Verger
Oluwo, ganhou o nome Fatumbi –
que usaria até o fim de sua longa vi-
da. Morreu aos 93 anos.
Um dos momentos mais interes-
santes de Mensageiro Entre Dois
Mundos é quando, em Benin, Gil pe-
de para que joguem o ifa (o equiva-
lente dos búzios no Brasil) em no-
me do próprio Verger. Como res-
posta, recebe a informação de que o
francês repousava em paz, pois já
concluíra sua missão. Ainda em so-
lo africano, o cantor aproveita para
ver de perto lugares imortalizados
pelas lentes de Pierre Verger.
Não foi apenas pelas imagens que
Fatumbi tornou-se o maior inter-
prete ocidental da cultura africana.
Como prova de que, afinal de con-
tas, o racionalismo francês herda-
do no berço não fora de todo inú-
til, ele teve disciplina suficiente pa-
ra sistematizar o que aprendeu.
Concebeu e pôs no papel obras co-
mo Orixás, Deuses da África e Len-
das Africanas dos Orixás (veja boxe),
entre outras, compilando preciosi-
dades a respeito da religião e das
tradições do continente negro. Um
trabalho que, até hoje, permanece
sem equivalente.
Mensageiro entre Dois Mundos - Se-
gunda, 23, 22:00; Terça, 24, 22:00, Do-
mingo, 29, 20:00. GNT
A Força das Lendas
Filho de Xangô, Pierre Verger publicou em livro uma coletânea de fábulas sobre as divindades do candomblé, pro-
duto de cuidadosas anotações das narrativas dos babalaos, transmitidas de pai para filho. Na edição brasileira de
Lendas Africanas dos Orixás, publicada pela editora Corrupio, contou com o auxílio luxuoso de outro estrangeiro
"naturalizado baiano: o pintor argentind Carybé (veja o desenho de Xangô, ao lado), que com seu traço enrique-
ceu as histórias sobre os deuses da cultura iorubá. Aprecie um trecho:
"... Durante sua infância, em Tapá, Xangô só pensava em encrenca.
Encolerizava-se facilmente, era impaciente, adorava dar ordens e não
tolerava nenhuma reclamação.
Xangô só gostava de brincadeira de guerra e de briga,
Comandando os pivetes da cidade, ele ia roubar os frutos das árvores.
Crescido, seu caráter valente o levou a partir em busca de aventuras gloriosas...
..Xangô era vaidoso e cuidava muito de sua aparência, a ponto de trançar os
seus cabelos como os de uma mulher.
Ele fizera furos no lobo de suas orelhas, onde pendurava argolas.
Usava braceletes e colares de contas vermelhas e brancas.
Que elegancia!
Muito impressionada pela distinção e pelo brilho de Xangô, lansa fugiu com
ele e tornou-se sua primeira mulher..."