"A impotência diante da condição humana, esse imenso tormento que assola o artista, assume na obra gravada de Iberê distintas possibilidades de materialização.
Após os primeiros ensaios dos momentos de retomada da gravura em seu regresso ao sul, Iberê prioriza a elaboração de serigrafias a partir de 1985. É o momento em que o artista se preocupa em anotar aspectos da vida cotidiana, como o rápido deslocamento dos transeuntes em seus passeios no Parque da Redenção. Registra também compulsivamente manequins, esses seres inertes que simulam a vida, que vivem enclausurados no interior das sedutoras vitrines das lojas da rua da Praia. Mas esses contatos de Iberê com os aspectos banais da vida assumem um lugar destacado na produção do artista, e incorporam o forte conteúdo de suas discussões existenciais.
Iberê elabora a primeira serigrafia desse período em 1985, Parque da Redenção, na qual transita um ciclista. No mesmo ano, elabora mais duas, nas quais se identificam pessoas e manequins. Estes nunca mais abandonarão a obra do artista até os derradeiros momentos de sua produção. Uma dessas obras, Manequins, constitui uma edição realizada para o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, instituição que guarda uma prova de estado na qual Iberê interferiu com guache. A outra, Figuras e manequins, mostra a fusão de pessoas com manequins, os que têm vida e os que são simulacros da vida. [...]
Essas obras tingem-se de cores, chegando a congregar doze em uma mesma gravura. Encontram-se delas vários estudos e guaches que geraram a série, estando alguns em posse de colecionadores. Sabe-se que Iberê interferia em todas as suas provas com obstinação. Adicionava cores, mudava o desenho, incorporava novas manchas, quase refazia a gravura no momento de confirmá-la para a impressão. Esse tipo de conduta reforça o temperamento obsessivo do artista, marcado pela insatisfação permanente com os resultados."
ZIELINSKY, Mônica. Iberê Camargo: catálogo raisonné. Cosac Naify: São Paulo, 2006. p. 103.