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Letter

Candido Portinari

Projeto Portinari

Projeto Portinari
Rio de Janeiro, Brazil

Admite, mais uma vez, que transigiu, mudando sua maneira de pintar para conseguir o prêmio e conquistar a admiração dela, sua namorada. "Domestiquei minha vontade", diz ele. Além disso, recorda seu tempo de menino.

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  • Title: Letter
  • Creator: Candido Portinari
  • Date Created: 1930-09-18
  • Location: Paris FRA, Viena AUT
  • Provenance: Portinari Project Collection
  • Subject Keywords: Vida Artística, Viagem de estudo, Vida Artística, Viagens, França, Vida Pessoal, Personalidade
  • Transcript:
    CO-3397 Portinari, Candido. [Carta] 1930 set. 18, Paris [para] Rosalita Mendes de Almeida, Viena. 5 p. [manuscrito] Bichinha, meu bem Nem uma carta de você, você está se esquecendo da gente. Há um mês quase que você está aí e só me escreveu três vezes e às pressas, no entanto lhe tenho escrito continuamente cartas compridas; sem pressa. Por isto estou triste. Decerto tem sido sempre assim. Desde que saí do Brasil até a minha volta da Espanha dei-lhe notícias assiduamente e você... Porque? Essa inquietude, essa incerteza vai-me anulando aos poucos. Eu necessitaria de ilusões, de coisas que me fizessem crer para poder tentar realizar uma arte boa, uma Arte que às vezes eu sonho... Mas você que é a única pessoa que poderia alimentar a minha ilusão – de vez em quando tira-me a fé – mostra-me a vida, essa vida vida. Entretanto, você bem sabe que tudo o que tenho alcançado oficialmente devo a você. Sou um premio de viagem por sua causa; concorri sempre ao Salão por sua causa... É certo que quando nos conhecemos eu já enviava para o Salão, mas até aquela época era lógico, depois desse tempo eu talvez não mandasse; não mandaria porque o meu orgulho de provinciano não me permitia por causa de uma discussão que houve a respeito da minha premiação daquele tempo. Mas transigi – refreei o meu impulso de matuto e deixei passar. Tudo por eu desejar a sua admiração e parecia-me aquela a única maneira de a obter. Mais tarde, já concorrente ao Premio tive que transigir novamente, tive de me submeter a uma maneira de pintar – deixei de seguir a minha vontade – amoldei-me ao Salão pacientemente até obter Premio. Domestiquei a minha vontade dentro de um ponto de vista visando sistematicamente um efeito. Esse efeito era agradar a você, esse ponto de vista era você. Não sei se você contribuiu conscientemente em tudo isso; de qualquer modo o fato permanece. Você foi a minha bússola e talvez ainda o seja porque quando vcê me mostra o incerto fico desnorteado – fica tudo desarranjado e o tempo vai passando e eu paro, fico no mesmo lugar, até a uma nova fase de ilusões... Tem sido assim até agora. Talvez continue assim sempre. E há dentro de mim uma grande esperança de melhora, mas vou tendo sempre saudades da véspera... Faço um enorme esforço para sonhar e quando consigo tenho de recorrer, lá longe, bem longe, aos tempos de menino – Lembra-me da mula-sem-cabeça, das estrelas grandes de minha terra... Do Papai Noel não, lá não tem Papai Noel. Só tem a árvore de Natal... Histórias compridas do Joãozinho... Era uma vez, um Rei que tinha três filhos: Antônio, Pedro e Joãozinho, Joãozinho era o mais moço e uma vez... uma princesa muito bonita que tinha os cabelos de ouro... Você não gosta de histórias? Eu gosto. Me dá uma saudade de você quando me lembro daquele tempo. Uma saudade grande do tamanho das estrelas da minha terra, maior até... Muito maior... A gente devia gostar sempre das histórias do Joãozinho. Não devia existir máquinas. Devia existir um céu muito grande com umas estrelas muito grandes com árvores bem bonitas... Uma vovó bonita para contar histórias – que dissesse que Deus era um homem bonito de olhos da cor do céu, com cabelos de ouro e que se a gente fosse bonzinho poderia subir lá em cima nos cabelos de Nosso Senhor... Que dissesse: menino você ta vendo aquela luzinha láaa... em baixo?... É a casa de Nosso Senhor, se você for bonzinho amanhã iremos passear lá... Lá tem pão-de-ló de ouro, anjinhos com asas de prata e uma porção de coisas bonitas, bonitas... Tem um cavalinho assim piquinininho. Que dissesse: papai do céu é dono daquela árvore, papai do céu é dono de tudo... Da mula-sem-cabeça não, não devia falar. Depois a vovó adormeceria e gente contando as histórias do Joãozinho... Aí... a gente sonharia que estaria montado num cavalo de ouro correndo correndo com força por uma estrada toda de prata... uma estrada bem comprida, uma estrada sem fim... Depois... Depois... Tanta coisa... A minha vida é um saco de gatos e eu ainda converso assim. Você sabe o que é isto? Você não gostou nunca de ninguém? Quando acontece a gente fica assim... fala... fala... Eh! Bichinha, meu bem... Portinari só de você
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  • Type: letter
  • Publisher: Projeto Portinari
  • Rights: Candido Portinari
  • External Link: http://www.portinari.org.br
  • Number: 3397
  • Collection Data Type: CO
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