Loading

Letter

Candido Portinari

Projeto Portinari

Projeto Portinari
Rio de Janeiro, Brazil

Fala sobre suas intenções quanto à pintura, transcrevendo toda a entrevista que concedeu a Plínio Salgado: "Um pintor brasileiro em Paris".

Show lessRead more
  • Title: Letter
  • Creator: Candido Portinari
  • Date Created: 1930-09-02
  • Location: Paris FRA, Praga RTC
  • Provenance: Portinari Project Collection
  • Subject Keywords: Vida Artística, Viagem de estudo, Vida Artística, Viagens, França, Vida Pessoal, Entrevistas/Declarações, 1930-39
  • Transcript:
    CO-3396 Portinari, Candido. [Carta] 1930 set. 2, Paris [para] Rosalita Mendes de Almeida, Praga. 9 p. [manuscrito] Rosalita Recebi o seu cartão anunciando sua chegada à Europa. Muito obrigado. Não sei você chegou a receber a minha última carta onde eu lhe falava das minhas idéias sobre o que pretendo fazer em pintura quando regressar ao Brasil. Até agora só tenho falado por alto a respeito da pintura no Brasil, da educação e do futuro brasileiro. Hoje, depois de ter observado e penetrado o espírito europeu, já tenho um juízo formado a este respeito e pela minha entrevista (que dei ao meu amigo Plínio Salgado, autor de um dos melhores livros do Brasil, a qual deverá ser publicada no “O País” e “Correio Paulistano”) você poderá ver o resultado de todo o meu tempo de Europa. Nasci para agir, o meu espírito necessita de um campo sem marcos para se espraias e o tipo de pintor do Brasil não serve para mim. Eu não posso ser medíocre – ou eu marcarei uma época na Arte brasileira ou então desaparecerei. Trabalhei sempre refreando um sentimento íntimo, sem o procurar conhecer, por causa das imposições do momento que me obrigava a “realizar” e não me deixava pesquisar, portanto impossibilitado de toda ação normal. Foi preciso que eu viesse à Europa, no meio de todos os movimentos, no meio de todas as civilizações e no meio duma paisagem obediente, para compreender o sentimento que me acompanhou sempre. Não pretendo ficar somente dentro da pintura – tenho sonhado muito, tenho arquitetado grandes planos. Você naturalmente acha o meu entusiasmo infantil. Não houve nenhum movimento que não começasse com certa aparência de ridículo. É assim que se começa – a Revolução Francesa, a revolução Russa, o Fascismo – começaram nos cafés... “ou num quartier silencioso de lampiões sonolentos” Copiei a entrevista unicamente para você, bichinha. Aí vai: Um pintor brasileiro em Paris (palestra com Candido Portinari) Quando vim do Oriente, depois de minha viagem pelo Egito, Palestina, Síria, Turquia e Grécia, e de minha visita de quase dois meses à Itália, encontrei em Paris, no Boulevard dês Italiens, Raul Bopp, que vinha chegando do seu passeio pela China, Japão, Rússia e Alemanha. Foi um grande encontro e um grande abraço. O primeiro, depois de nossas divergências literárias e políticas, dos dias de antropofagia e de minha atitude de reação com Menotti, Motta Filho e Cassiano Ricardo. Raul Bopp é um grande curioso, um temperamento dos mais interessantes da nossa geração. Passamos a andar juntos para ver as coisas de Paris e, através do autor de Cobra Norato, fiz conhecimento com um dos maiores pintores brasileiros: Candido Portinari. Quando Bopp regressou à Alemanha, deixou-me Portinari de presente. Espírito novo e ágil, com um profundo sentimento de brasilidade, uma visão exata de nossos problemas de arte, PALANIN tem sido o meu companheiro das palestras noturnas, num quartier silenciosos de lampiões sonolentos onde conversamos horas a fio sobre os problemas do Brasil. Palanin é o tipo que Portinari anda criando: caboclo ítalo-bugre, ariano etíope, cafuso com sangue da Lombardia, mameluco de todas as raças das zonas rurais de S. Paulo. Às vezes costumamos chamar Portinari de Palanin porque ele é bem um caboclo de Brodowski, da zona cafeeira de Ribeirão Preto. Quando estive em Roma eu fazia sessões noturnas com Antonio Cuocco, palestras sem fim, e discutíamos todos os problemas da nossa Pátria, com um ardor, uma paixão, no meio duma turma de moços que vibravam quando eu lhes rasgava os amplos panoramas do nosso destino, como povo e nacionalidade. As longas cartas de Ribeiro Couto, sobre os mesmos assuntos, páginas de crítica admiráveis às nossas instituições, me fizeram ir procurar em Marselha o notável poeta e escritor. Foram outras noites e dias inteiros de conversa, sobre a necessidade imperiosa de uma unidade de cação intelectual dos moços do Brasil num alto sentido nacional. Voltando à Paris, é em Portinari que encontro o mesmo anseio que agita toda a juventude do nosso país, para um grande, um forte movimento nacionalista de construção e de fé, de coragem e de sacrifício, de esquecimento de pequenas divergências, para que se possibilitasse a unificação dos espíritos numa direção geral mais ampla, do qual resulte o advento do Primado da Inteligência, como base do reerguimento nacional. Portinari é premio de viagem do nosso Salão Oficial, mas ele é mais do que um premio de viagem; é uma viva e aguda sensibilidade capaz de compreender o nosso tempo e se orientar bem no meio das tendências modernas, de colocar o Brasil, do ponto de vista da pintura, no lugar onde ele deve estar. É um caboclo desconfiado, que está há quase dois anos em Paris, assuntando. Que não perdeu os traços bárbaros de sua personalidade bem destacada. Que voltará para o nosso país bem informado, porém não [ilegível] por nenhuma seita. Andei com ele por todas as galerias, corremos a rua S. Honoré, em companhia de Raul Bopp também. Vimos as coisas antigas e modernas. Eu já vinha mais ou menos informado do que se passava em toda a Europa, pela visita à Bienal de Veneza onde estão representados todos os países com as suas correntes renovadoras. E onde há também o pavilhão da Itália, as duas salas impressionantes de Amadeu Modigliani e a seção futurista de Marinetti, onde domina a arte dinâmica e imprevista de Prampolini. Mas Paris, para mim, com Portinari, teve um encanto maior, pelos nossos comentários, pelas nossas trocas de impressões, pelas observações justas que ouvi desse menino louro, com fala de caipira paulista, bem expressiva do Brasil Novo, que não usa fraseologia empolada dos teóricos estéreis, que não sabe ser eco de impressões correntes. Ele me fala simplesmente: “- O Brasil precisa antes de tudo olhar para si mesmo e deixar de copiar os estrangeiros, e, quando os imitar. Deve fazê-lo unicamente nas coisas práticas, anunciando por todos os cantos do país as produções do espírito, como se faz aqui na Europa. Ainda há pouco o governo francês reuniu o maior número possível das obras de Delacroix e mostrou-a ao público. E todo mundo viu a obra de Delacroix, uns pelo espírito de arte, outros para ver essa coisa tão anunciada. Havia tabuletas em todos os pontos mais movimentados nos Metrôs, nos auto-ônibus, nos jardins de edifícios públicos. O anúncio de uma exposição como a do aparecimento de um livro é feito com o mesmo rumor como se anuncia uma nova marca de sabão. Nós devemos no Brasil acabar com o orgulho de se fazer arte para meia dúzia. O artista deve educar o povo mostrando-se acessível a esse público que tem medo da arte pela ignorância, pela ausência de uma informação artística que deve começar nos cursos primérios. Os nossos artistas precisam deixar suas torres de marfim, devem exercer uma forte ação social, interessando-se pela educação do povo brasileiro. Todos os homens de espírito no Brasil vivem isoladamente sem sentimento de coletividade, por isso são eles os que têm menos força”. - Acha você que poderemos criar uma pintura caracteristicamente brasileira? - Sim; mas, primeiro, é preciso criar o espírito brasileiro, nacional; para que haja uma direção geral comum na obra de pesquisa e de construção. O Almeida Júnior, que é do tamanho do maior pintor da França, abriu a picada para a pintura brasileira mas deixaram crescer capim de novo. E, entretanto, o seu exemplo continua enchendo os nossos museus com a sua grandeza esquecida de todos. - E que pensa, Portinari, da influência estrangeira no Brasil? - Devemos trancar as portas à arte estrangeira. Nem a pintura do Salão nem a da galeria Percier devem entrar de agora em diante no Brasil. A nossa natureza, nosso povo, estão cheios de surpresas. O nosso povo está se formando de todas as raças, tem todos os climas, aspectos bem nacionais, na angústia do seu crescimento, uma fisionomia moral e intelectual bem marcada; a arte deve traduzir essa inquietude, esse caráter de raça, o momento brasileiro na Humanidade. Abaixo a pintura do salon francês que os nossos acadêmicos fazem no Brasil; mas, tampouco, devemos aceitar as pinturas das galerias modernas de Paris, que os nossos vanguardistas lá fazem com a cabeça cheia de teorias e de pontos de vistas. Portinari tinha razão quando falava estas coisas. Realmente, o Brasil inicia a sua vida intelectual numa época de muitas influências de ordem política, literária e artística. Época perigosa para as nações que querem se revelar como personalidade. Temos de criar tudo novo e nosso e só assim estaremos dentro da Humanidade de hoje, bem integrados nela, pela força da nossa sinceridade. Para nos pormos em contato com a Europa, para convivermos com ela, a primeira coisa que temos a fazer é fugir da Europa. Quanto mais nos procurarmos aproximar da civilização ocidental mais nos afastaremos do seu convívio, pelo artificialismo das nossas expressões, pela mentira que não nos revelará. O mundo moderno vive um momento supremo de angústia; os povos que copiarem, esquecidos de si mesmos, não poderão estar dentro da comunhão universal. Essa sinceridade deverá começar pelo tema? É Candido Portinari que nos responde: - O assunto brasileiro, por si mesmo, não vale; é preciso o espírito brasileiro. E como expressão de raça? O Brasil não é só o índio e o negro. Sobre a unidade de um sentimento comum, cada estado do Brasil tem um tipo. Cada artista deve contribuir com o da sua terra: o de Pernambuco com o Zé Raimundo do Olegário; o do Rio Grande do Siul com os gaúchos de Simões Lopes e Darcy e outros criadores de heróis; o de São Paulo com o Juca Mulato do Menotti, o Zé Candinho e o Mandolfi do “O Estrangeiro”; os que cantam pela boca do Ovalle e do Heckel. Esses tipos ficarão porque tem alma brasileira, portanto são humanos e universais. Acabemos com as vidas de Luiz XVI escritas do Amazonas e com as cabeças de Holophermos pintadas na Favela. - E, em relação ao espírito acentuadamente crítico da moderna geração brasileira, indecisa diante de qualquer resolução, estéril na sua admirável inteligência? - Estéril, na verdade, porque toda obra de arte só pode surgir de um movimento interior de fé. É preciso crer em qualquer coisa, por exemplo, em nós mesmos. O artista brasileiro não pode ser irônico nem cético. Isso pertence aos povos decadentes. Nós devemos acreditar para o Brasil ser Brasil. Portinari é um espírito alegre, mas não joga com o pequenino humorismo doentio dos que envelheceram com raiva. Esse risinho de mofa em que se traduzem os infortúnios das íntimas depressões. O Brasil precisa, na verdade, de rir. Com saúde, com energia. Com espírito leve e forte. É a grande certeza do seu destino. Conversamos, ainda, sobre as tendências modernas da pintura européia. Candido Portinari me diz: - Há hoje uma reação contra o tema, a anedota. Pretendendo-se uma pintura que seja essencialmente pintura. Isenta de toda influência literária. A pintura ignorante. Como qualidade. E isso, até certo ponto, é um retorno aos grandes mestres antigos. Esse movimento que parece ter uma ligação com Tintoretto, Paulo Veronese, Ticiano, sem falar nos grandes mestres da Renascença, como Raphael Michelangelo (e estes valem hoje, não pelos temas, mas pela pintura em si mesma) esse movimento hoje é geral contra a arte do século passado, que não resistiu pela falta de qualidade. Entretanto é curioso observar como dentro de uma reação salutar e forte, encontram-se os germes dos vícios antigos. Esses vírus estão exatamente nas galerias dos mais vanguardistas, como você viu na galeria Percier e em outras. Há ali a mesma preocupação literária da pintura do século passado. As formas de expressões são diferentes. Ali também se diz que se combate o assunto; no entanto a pintura foge ao movimento geral do século, evidenciando-se acentuadamente preocupada com uma outra feição de literatura, que se não é o tema, é o preconceito científico. È o preconceito surrealista; os teoremas cubistas, doutrina freudiana, o primitivismo, tudo gritantemente literário. O que torna essa arte, sob o ponto de vista do movimento moderno, inegavelmente passadista, mesmo com uma expressão avançada. - Quais são, para você, os pintores mais significativos da tendência moderna em França? - Entre outros, penso que Derain, Picasso, Weroquier, Matisse, Van Dongen. Esta palestra com Portinari é um pequeno resumo do que temos conversado todos os dias. Ele pensa hoje em regressar ao Brasil para trabalhar muito. Para convidar a sua geração a fazer alguma coisa, bem brasileira. Ele acredita nos moços de sua idade. Fala-me frequentemente de muitos amigos que ele reputa capazes de muito fazer. Brasileiro até os ossos, resistiu brilhantemente a todas as influências durante seus dois anos de estudos na Europa, Não por ser impermeável, pois tem uma sensibilidade capaz de compreender. De deixar seu espírito conviver sem prejuízos culturais com todas as formas de arte. Ele viu tudo, apreendeu bem o sentido geral do movimento moderno. E ficou mais brasileiro ainda. Eu creio que Candido Portinari pode ser no seu setor um “condotière”. Temos de iniciar o grande movimento nacional. Cada um no seu posto. Cada um na sua batalha. Todos visando o Grande Brasil. A nossa geração precisa erguer-se num movimento inédito na história do país. Ele também compreende essa necessidade. Esse dever. Essa responsabilidade. Plínio Salgado Paris, 30-VIII-930 Upa!... Estou cansadíssimo; copiar tudo isso não é brincadeira; só você seria capaz de me dar coragem de copiar tanto. Essa entrevista não visa unicamente a pintura. Temos grandes planos... Você só me escreveu um bilhete e mais nada. Praga está tomando todo o seu tempo; estou até com raiva de Praga. Quando é que você vem? Não fui a Boulogne e não vou a Praga porque... porque... Quando é que você vem? Escreva, responda a carta que já lhe escrevi há dias. Você quase não escreve, é preciso que lhe escreva três vezes para você responder uma vez (sem contar a correspondência de cartas durante e depois da minha viagem à Espanha). Mais de trinta cartas. Eu ando desconfiado, bichinha... Estou com uma saudade deste tamanho de você. Você sabe o que é saudade? Eu sei. Uma saudade assim tão grande que não se pode medir. Quanta saudade. Portinari só seu 5, Avenue Friedland (Consulat du Brésil)
    Hide TranscriptShow Transcript
  • Type: letter
  • Publisher: Projeto Portinari
  • Rights: Candido Portinari
  • External Link: http://www.portinari.org.br
  • Number: 3396
  • Collection Data Type: CO
Projeto Portinari

Additional Items

Get the app

Explore museums and play with Art Transfer, Pocket Galleries, Art Selfie, and more

Home
Discover
Play
Nearby
Favorites