CO-1621
Grillo, Cordélia. [Carta, 1951] maio 12,
Paris [para] Maria Portinari;
Candido Portinari,
Rio de Janeiro, RJ. 4 p. [manuscrito]
Queridos Maria e Candinho
Tenho querido
escrever a vocês, mas a vida aqui sempre infernal e ainda pior ultimamente, pois Jacques foi nomeado embaixador em Lisboa e parte dentro de 10 dias, de modo que estamos em plenas despedidas. Eu vou ficar até 15 de junho para fazer a mudança com calma.
Estive bastante doente, com terrível caxumba pegada de Chantal, mas agora já fiquei boa.
Desejo que vocês todos estejam bem de saúde.
Escrevo esta às pressas, para dizer-lhes que me ofereceram um esplêndido atelier, na Rue Campagne Première, junto ao Boul. Montparnasse. Ele pertence ao pintor Labisse, que vocês conhecem, e que quer vender porque muda-se para Neuilly. O preço é de 5 milhões e, pelo que é, é barato. Aqui vai uma descrição rápida:
É no 1º andar, entradinha em forma de corredor. A esquerda dando para uma cour, uma pequena sala de jantar, cozinha, W.C. e quarto de empregada. A direita, o atelier, que é enorme: 7mts, 50 de comprimento, por 5mts,70 de largo e 5mts,40 de altura, em toda a extensão da peça. Tem também uma loggia bastante espaçosa, onde pode dormir uma pessoa. Uma escadinha interna leva ao 2º andar, onde está essa loggia e depois tem 2 quartos de dormir e um bom banheiro, nesse 2º andar. Eu confesso que fiquei encantada. O apt. Todo é aquecido pelo imóvel, mas existe poele no atelier para reforçar o aquecimento da peça, que é muito grande. A peça é claríssima e com imensas janelas até o teto.
Os Labisse me disseram que vocês poderão alugá-lo como quisessem, pois não faltam candidatos, mesmo por 3 ou 6 meses. Como eles tivessem feito uma sociedade (fictícia), as despesas de tabelião, que serão de vocês, no caso de compra, são apenas de 5%, em vez de 15 ou 20. Quanto ao pagamento, eles talvez aceitem uma parte no
Brasil, onde ele deve ir para a Bienal de São Paulo.
Penso que melhor vocês nõ encontrarão. Fui vr alguns, até em Montmartre e com uma peça e uma loggia, banheiro e cozinha, 3 milhões e meio, e minúsculo, não servindo nem mesmo para fazer quadros grandes.
Como eles têm outros candidatos, me pedem uma resposta rápida e, se possível, por telegrama.
Imaginem vocês que nós intentamos um processo em difamação contra o jornal comunita “L’Action”, do Ives Farge e Pierre Hervé, porque os canalhas escreveram um artigo dizendo que o famoso Peyré morava escondido no Rio, no apt. De um irmão meu, rico e advogado. Ora, eu não tenho nenhum irmão advogado, nem morando no Rio e, ainda menos, rico. Que safados, heim? Pedimos um milhão de domages et interes, e se Deus quiser estará no papo. Contem isto à lia, se vocês a virem.
Aqui fico aguardando ordens de vocês. Jacques manda um saudoso abraço e manda dizer que vocês precisam passar uns tempos em Lisboa conosco.
Beijinhos de Chantal. Abraços ao João e Dinho e outro muito afetuoso da
Cordélia
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