CO-159
Couto, Ribeiro. [Carta] 1943 jan. 5, Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. [datilografado]
Candinho fujão,
No dia 29 de dezembro fui ao Leme, ali pelas 9 da noite. Casa fechada, escura e em silêncio. O bicho terá partido para Brodowski? Supondo isso, escrevi às pressas um bilhete e atirei-o por cima do meio-muro do terraço. Lá está, à chuva.
Só vim a saber da sua mudança pelo seu cartão de boas entradas (votos que retribuímos, desejando um ano muito feliz a todos vocês). Muito obrigado pela gravura – que me parece uma interpretação do céu noturno, com idealizações flutuantes de imagens de angústia, pensamentos da terra e formas da terra, confundindo-se com nuvens, caprichos da luz do luar e das estrelas. Terrivelmente triste. Agarrei-me àquele seio gordo da mulher tétrica e dependurei-me ali como um cipó numa laranja. Que olhar de medo e de dor, naquela nuvem-mulher!
Abraços para você, o Chico, os irmãos. Beijos no almirante João Candido.
Até breve, não é? Agora, mais perto, vamos bancar as borboletas que voam de um jardim a outro, sem esforço nas asas, carregando coisinhas aéreas nas patas invisíveis.
Está uma chuva estupenda. Parece Paris. Uma cinza no espaço, um indefinido nas coisas.
RC
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