Letter

CO-3196 Nicolao, Rodolfo. [Carta] 1950 jul. 15, Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, Paris. 2 p. [manuscrito] Meu caro Portinari, há alguns dias já venho me sentindo com a consciência pesada de ainda não lhe ter escrito, sem ter desculpas para isso. O que me encorajou foi a carta que hoje recebemos da Henda e que nos fala muito de você, do quanto tem sido útil aos meninos, das coisas bonitas que está pintando e de outras coisas boas. Foi bem comovente a nossa partida daí e mais comovente ainda com a sua presença. Creio mesmo que foi um mau momento de partida, principalmente para Tereza que começava a ter agora a sua assistência, de grande importância para ela. Imagino como os meninos devem estar contentes de poder trabalhar consigo. Estou para lhe pedir desculpas por ter deixado aqueles dois cestos cheios de coisas de cozinha para os meninos, no seu quarto, sem ter avisado nada. Espero que eles tenham retirado logo. Imediatamente que chegamos já tive proposta do Ruy Santos para trabalho no filme que ele está fazendo agora. Estive fazendo toda a preparação da fita e embarcamos amanhã para Angra dos Reis, para onde a Tereza também irá e levará umas cinco telas que preparou segundo sua receita, das quais sairão duas “obras primas” para o salão. Scliar foi por um mês para Porto Alegre e deixou aqui três dos seus quadros de Paris, também para o salão. Quando voltar, vai ficar aqui no Rio, onde abrirá o tão falado atelier para o qual muitos jovens aqui estão à espera e “muito necessitados”. É realmente uma pena a falta de mestres e de gente que saiba incentivar. Tenho estado e acabo de estar agora com o Di Cavalcanti, que eu pensei ser um sujeito de quem se podia esperar alguma coisa, depois da conferência e dos artigos que ele tinha feito em São Paulo, mas me enganei. Ele não se esforça para se livrar dos compromissos que tem com a burguesia e quer defender um chamado realismo-moderno que, afinal, tende para o abstracionismo, como é, um projeto para um grande mural que ele está fazendo para uma fábrica do Niemeyer. Os dois acham que [ilegível] é um chato e que não se pode hoje fazer a pintura que se fazia antigamente. O Niemeyer mais esclarecido quanto ao que toca à arquitetura. O Di me disse que se lhe pedirem para fazer um cartaz, vai fazer o que ele sente, e eu lhe respondi que o cartaz então seria para ele usar no quarto dele. O Moacyr Werneck, muito mais esclarecido em tudo, parece que gostou muito de nos conhecer e quer nos aproveitar para mesas-redondas e coisas parecidas. Quanto aos outros, é duro vê-los querer se agarrar a um passado que não têm, que é o passado dos outros e que é falso. Ninguém compreende isso como compreendeu o Fougeron e ninguém acredita que você está compreendendo e fazendo. Alguém chegou mesmo a me afirmar de “fontes seguras” que você está fazendo arte-abstrata. Acredite se quiser. Enfim, ajudando quando devíamos ser ajudados, é um osso duro de roer, mas pode ficar certo que ainda vamos fazer qualquer coisa boa. Logo que tivermos portador, mandaremos os charutos. Telefonei duas vezes hoje para sua casa para poder lhe mandar notícias de seu irmão, mas ele não estava. Só tinha a empregada. Diga ao Clóvis e ao Palamede que logo lhes escreveremos. Para D. Maria, para João e Dinho, um grande abraço, juntamente com você. Rodolfo Esperamos notícias, por enquanto aqui no Rio.