Letter

CO-960 Bulcão, Athos. [Carta] 1946 jul. 23, Rio de Janeiro, RJ [para] Candido Portinari, [Paris]. 2 p. [datilografado] Meu caro mestre e amigo: Quero, antes de mais nada, pedir-lhe desculpas pela incrível demora em lhe mandar notícias. Tentei escrever-lhe pelo Ceschiatti, e também, antes, pelo Correio, mas acabei achando as cartas ridículas demais para que você as lesse. Esta irá, pois vou entregá-la aos bons amigos Vera e Roberto, que se prontificaram a levá-la, bem como os charutos que resolvi mandar sem saber se são da sua marca preferida, pois tentei falar para sua casa e o telefone pareceu estar com defeito. O “ambiente” continua mais ou menos o mesmo, embora haja uma certa agitação. Houve uma exposição do pintor alemão Arthur Kauffmann, refugiado na América desde 1935. Ele agora está em S. Paulo, onde certamente agradará mais do que aqui, pois lá há melhor ambiente para Expressionismo alemão. O Arpad fez uma pequena exposição nos Arquitetos, com trabalhos feitos no Brasil em que mostrou ter aproveitado o “exílio”. Houve também uma outra de “Pintores da Escola de Paris”, com três Utrillo, cinco Chapelland-Midy, e outros em que nunca ouvi falar, entre eles dois com catálogos muito bonitos de exposições feitas aí: Yves Brayer e Heuzé. Ontem inaugurou-se a exposição de Lula Cardoso Ayres, para quem os escritores Pernambucanos estão fazendo uma onda enorme.Ainda não vi nada, mas a julgar pelas fotografias (muitas fotografias, de muitos quadros) e opiniões que merecem certo respeito, não presta. Antes de ontem, fui à Floresta da Tijuca com uns amigos, e fomos à Capela ver o seu trabalho. Gostei muito do “Purgatório” e dos santos, que não conhecia. No entanto, queria que você visse o perigo que é aquela umidade. Acredito que nenhum quadro possa resistir a um “clima” daqueles. O mofo voltou na Santa e no Menino. É preciso botar umas lâmpadas lá ou arranjar outro meio de tirar a umidade do ar. Era de tarde, já estava escurecendo, e apesar de ter feito um dia muito bonito de sol, estava muito úmido (como em Petrópolis, depois de um mês de chuva!) No fundo do santo da direita, apesar de já estar muito escuro, pareceu-me haver um começo de mofo. Tenho estado com Landucci que me tem arranjado uns trabalhinhos no Instituto do Livro, e tenho feito algumas ilustrações para jornais e revistas. Continuo na enorme ansiedade pela bolsa, cuja resposta está sendo esperada até meados ou fim de agosto. E o tempo que posso, tenho empregado em tentar desenvolver o que a minha capacidade de compreender aproveitou na sua formidável convivência. Fico por aqui, inteiramente ao seu dispor para alguma coisa que possa fazer, e se você não puder de todo me escrever por estar com o tempo incrivelmente tomado peça ao Ceschiatti que me transmita. Há dias encontrei o “Chicolati” que perguntou muito por você e informei-lhe o que sabia. Mandou muitas lembranças. Envio abraços para D. Maria, João Candido e Inês. Do mau discípulo e amigo certo Athos N.B. Tenho freqüentado o Curso de Gravura da Fundação Getúlio Vargas, onde há muito material e uma boa prensa. O Carlos Oswald é muito simpático, mas o curso não vai indo muito bem por excesso de alunos na mesma turma. Vera é de lá e poderá explicar-lhe melhor pessoalmente. 2