"O desvendar do mistério – Iberê começou, para mim, quando ousei, a partir de seus cartões, fazer tapeçarias. Percorri o caminho do seu gesto, percebi o requinte das transparências, o vigor dos grafismos, a invenção das cores. Dessa época, guardo uma delicada impressão de muito respeito.
Vejo-o na humana convivência com as bordadeiras, vejo-o na plena atenção, cartão em punho, a acompanhar as soluções dadas. Responsável único pelo destino de tudo o que faz, a aceitar o trabalho de equipe e a assumi-lo, conosco.
Há uma condição comum às amizades do Iberê. É a de uma amorosa relação que se estabelece a partir do entendimento da pessoa do Iberê, admiração incondicional pelo artista e carinho pelo ser humano. Porque não é fácil ser Iberê Camargo. A construção de uma pessoa é tarefa de fidelidade de uma vida toda. Iberê se constrói com rigor e intensidade. E é, certamente, a representação viva das figuras fortes e suaves, de dramáticos contrastes, que ele mesmo pinta.
Como no seu trabalho, ele não faz a si mesmo concessão alguma. Nada nele é leviano ou supérfluo. Ele é a pura expressão de uma verdade interior, a vivência da paixão que tem pela vida. Exerce a sua gentileza, que não é a das convenções sociais, e é generoso ou rude, correspondendo ao que, espontaneamente, sente. É nesse compromisso com o próprio ser que está a chave da compreensão do seu caráter. Quem for capaz de entender, estará cativo para sempre."
MAGALHÃES, Maria Angela de Almeida. In: BERG, Evelyn. Iberê Camargo: coleção contemporânea 1. FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas/ Museu de Arte do Rio Grande do Sul: Rio de Janeiro, 1985. p. 47. (Depoimento).
"As porcelanas e as tapeçarias representam um capítulo especial na obra de Iberê Camargo. Em primeiro lugar, porque essas não eram as linguagens que predominavam em sua produção artística, mas também porque eram tarefas que ele executava com outras artistas, tapeceiras e ceramistas, que foram artífices essenciais para a existência dessas obras.
[...] Não sabemos muito sobre essas mulheres. Ou seja, seus conhecimentos e suas experiências eram necessários, mas elas não chegaram a ocupar o mesmo lugar no pódio artístico que Iberê. Os depoimentos de Maria Angela Magalhães contam do requintado detalhe com que era considerada a execução, a tarefa de transcrição ou a tradução para as quais as bordadeiras e as tecedeiras tiveram que desenvolver soluções originais e precisas.
[...]
Nas obras que as mulheres bordaram para Iberê Camargo, é preservada a textura do fazer coletivo. Embora não saibamos seus nomes, nessas tapeçarias está envolvido o tempo em que elas estiveram bordando essas peças com as suas mãos. Nessas tapeçarias, entramos em contato com os afetos de uma ação comum que constitui um momento imprescindível em todo o processo de transformação. As séries cerâmicas e têxteis de Iberê Camargo contribuíram para a transformação das hierarquias entre as linguagens da arte. Essa abertura foi central para o processo que hoje permite usos inesperados e deslumbrantes da cerâmica e do tecido."
GIUNTA, Andrea. Da trama e da lama.
Iberê Camargo e a transformação das hierarquias das linguagens da arte. In: POSSAMAI, Gustavo (Org.). Iberê Camargo: o fio de Ariadne. Fundação Iberê Camargo: Porto Alegre, 2020. p. 25-28.
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