O azulejo em Portugal. Uma arte identitária. Um património mundial.

Compreender o "azulejo" português enquanto expressão decorativa única

Painel de azulejos com motivos islâmicos (1503)Museu Nacional do Azulejo

O azulejo Hispano-Mourisco

No início do século XVI, difundiu-se o uso do azulejo como revestimento de parede, usando padrões nas técnicas Hispano-mouriscas de corda-seca e aresta, produzidas em Sevilha e Toledo.

Porta - Composição com azulejos de motivos islâmicos (1500/1550)Museu Nacional do Azulejo

A cultura islâmica foi a primeira grande referência para os azulejos em Portugal, mantendo-se na azulejaria portuguesa através do gosto estético marcado pelo "horror vacui" ou "medo do vazio".

Painel com emblemas morais (1625/1650)Museu Nacional do Azulejo

Faiança

A produção de azulejo em Portugal começou na segunda metade do século XVI, em Lisboa. Isto foi encorajado por um número de artesãos flamengos que se instalaram na capital, trazendo consigo o seu "know-how" e experiência da nova técnica: a faiança.

Retábulo de Nossa Senhora da Vida (1580) de Marçal de Matos (atrib.)Museu Nacional do Azulejo

O painel conhecido como Nossa Senhora da Vida é uma das peças mais importantes da coleção do Museu Nacional do Azulejo e uma das peças chave da produção portuguesa do século XVI. Foi originalmente aplicado na Igreja de Santo André, em Lisboa, parcialmente destruída em 1755.

O painel é pintado em "trompe l'oeil", emprega uma ampla gama de tons e é considerado um dos mais ricos da produção de azulejos da época.

Simula um retábulo em três partes, pintado sobre uma superfície de 1.498 azulejos, apresentando ao centro uma pintura com a Adoração dos Pastores, como se tratasse de uma pintura sobre tábua, com uma fina moldura de madeira.

Quatro colunas flanqueiam os dois nichos contendo imagens dos evangelistas São João e São Lucas, retratados como esculturas.

Observando este painel pode-se entender um dos aspectos identitários do azulejo português, a forma como estes estão diretamente relacionados com o espaço onde foram aplicados.

De facto, o espaço atualmente vazio, no centro do painel, correspondia, na Igreja de Santo André, a uma janela. Quando a luz entrava através desta, seria simbolicamente reforçado o percurso sagrado da pomba do Espírito Santo até à Virgem Maria.

Este conceito de associar a arquitectura à mensagem que se pretende transmitir é um dos aspectos centrais da produção portuguesa, que a diferencia da produção de azulejos noutros locais.

A função catequista deste painel, com a poderosa expressão transmitida pela monumentalidade e configuração da composição, é também paradigmática dos azulejos portugueses como uma arte que se destina a cobrir integralmente e ter a capacidade de transformar as estruturas arquitectónicas.

‏‏‎ ‏‏‎Museu Nacional do Azulejo

Azulejo de padrão

O século XVII é decisivo para a afirmação do azulejo como arte identitária de Portugal.

Painel de azulejos de padrão Ponta de Diamante (1608/1639)Museu Nacional do Azulejo

Uma das características que depois se destacou, embora tivesse raízes no século anterior, foi a forma como o azulejo foi aplicado como elemento estruturante da arquitectura, através de revestimentos monumentais, com o azulejo de padrão a desempenhar um papel fundamental.

A multiplicidade de soluções e propostas nos azulejos portugueses deste período não tem paralelo em outras produções europeias.

Azulejos de Padrão (1648)Museu Nacional do Azulejo

Os padrões foram estruturados utilizando módulos de repetição de azulejos de 2x2, 4x4, 6x6 e 12x12 - embora existam alguns exemplos muito raros constituídos por um número ímpar - formando tapetes ou tapetes enquadrados por margens ou barras, muitas vezes com frisos adicionados.

Nessa época, os azulejos eram policromos, utilizando as cores azul, verde e amarelo, embora também fossem produzidos padrões de azul sobre fundo branco.

Padrão de azulejo com Camélia (1660/1680)Museu Nacional do Azulejo

Este é um dos aspectos mais fascinantes do processo criativo dos pintores cerâmicos portugueses: a sua capacidade de inventar e interpretar temas e motivos decorativos de várias origens, uma fusão de influências que levou à criação de uma linguagem única.

Painel de azulejos de padrão (1620/1640)Museu Nacional do Azulejo

Note também a existência de padrões que são impossíveis de agrupar, pois são raros ou mesmo únicos, com ritmos fortemente dinâmicos, alguns inspirados em tecidos, couro e metalurgia. Como um todo, eles atestam de forma mais eloquente a criatividade das olarias portuguesas do século XVII.

Painel da Sala da Caça (1670/1680)Museu Nacional do Azulejo

Azulejos figurativos e ornamentais

O século XVII foi a época em que se delinearam os diferentes usos dos azulejos: o padrão, o figurativo e o ornamento. Nesse sentido, é essencial entender como o azulejo foi entendido na época, contrapondo-o ao azulejo usado noutros lugares e culturas, refletindo um gosto muito específico.

Pã ou Sileno (1650/1675)Museu Nacional do Azulejo

Os azulejos figurativos do século XVII são determinados por encomendas. A Igreja e a nobreza foram os dois grupos sociais que promoveram o uso do azulejo figurativo para transmitir mensagens, sem descurar o valor decorativo das composições.

Painel da Sala da Caça (1670/1680)Museu Nacional do Azulejo

Azulejos figurativos com temas profanos foram em grande parte encomendados pela nobreza, um grupo que desempenhou um papel decisivo na restauração da independência nacional da coroa espanhola em 1640.

Caça ao Leopardo (1650/1675) de Olaria de Manuel Francisco (?)Museu Nacional do Azulejo

As composições foram diretamente inspiradas em gravuras europeias interpretadas de uma forma mais ou menos naif por pintores inexperientes.

Nesta cena de caça, copiada com precisão da gravura original, foram usados vários tipos de armadilhas: como esta com um espelho, que parece ter sucesso para capturar um leopardo fêmea.

Mas há uma alteração na fonte de inspiração. Os soldados europeus foram substituídos por indígenas coroados de penas como os índios no Brasil ...

Painel com emblemas morais (1625/1650)Museu Nacional do Azulejo

Além de uma função decorativa, alguns painéis tinham um significado simbólico que só era óbvio para certos observadores.

Frontal de Altar (1650)Museu Nacional do Azulejo

Entre as representações com diferentes níveis de leitura estavam os frontais de altar inspirados nos chamados panos da índia, ou panos indianos - testemunhos eloquentes de azulejos portugueses como lugar de encontro de culturas, neste caso com os povos encontrados na expansão ultramarina.

Macacaria, O Casamento da Galinha (1660/1667) de Pottery of Manuel Francisco (?)Museu Nacional do Azulejo

Devemos ter em conta que os espaços profanos, para onde foram encomendados azulejos, refletem o gosto dos proprietários, com a dupla função de decoração arquitetónica desses locais e de difundir mensagens de afirmação social e política.

Este é um dos mais enigmáticos painéis de azulejos da coleção do Museu Nacional do Azulejo. Uma galinha é transportada em uma carruagem dirigida por um macaco, atrás de dois elefantes, dando à cena um sentido adicional de exotismo.

Movendo-se na direção oposta segue um cortejo triunfante de macacos que tocam uma grande variedade de instrumentos musicais.

O macaco, enquanto animal que desde os tempos antigos no Ocidente tem sido ligado à sátira, pode-nos ajudar a ler este tipo de painel no contexto da Guerra da Restauração (1640-1668), como uma crítica ao inimigo ou aos apoiantes do lado derrotado.

Alegoria da Visão (1700/1730)Museu Nacional do Azulejo

O período Barroco

Entre o final do século XVII e inicio do século XVIII assistiu-se a um novo período evolutivo na azulejaria portuguesa, dominado, devido à influência holandesa, pela pintura a azul-cobalto sobre fundo branco.

Batismo de Cristo (1700/1730) de Master P.M.P. (?)Museu Nacional do Azulejo

Durante o que se convencionou chamar o Ciclo dos Mestres (1690-1725), as oficinas procuraram ir ao encontro de uma clientela mais exigente, através da criação de composições figurativas caracterizadas por uma maior liberdade na utilização das gravuras, e pela criatividade no ajustamento dos painéis aos espaços a revestir.

O pintor de azulejos assumiu o estatuto de artista, assinando, com frequência, os seus painéis.

Atena ou Minerva (1725/1750)Museu Nacional do Azulejo

Incrementando as encomendas efetuadas na segunda metade do século XVII, a Nobreza foi a grande responsável pela produção de azulejos de temática profana que destinava à decoração de espaços palacianos, representando-se maioritariamente cenas guerreiras, de caçadas e mitológicas.

Toque para explorar

Por sua vez, a Igreja utilizou o azulejo com uma revigorada e muito mais eficaz intenção catequética, encomendando séries narrativas com a vida da Virgem, de Cristo ou dos Santos, produzindo-se programas iconográficos de grande impacto visual, muitas vezes ampliado por uma estreita combinação com a pintura a óleo e a talha dourada, assumindo a expressão de obra de arte total.

Figura de convite (cavalheiro) (1725/1750)Museu Nacional do Azulejo

Utilizadas de forma continuada entre o 2º quartel do século XVIII e o 1º da centúria seguinte, as chamadas "figuras de convite", representações à escala natural de personagens colocados em locais de acesso em edifícios, acolhendo o visitante e indicando-lhe o percurso ou fazendo guardaria, são uma criação original da azulejaria portuguesa.

Painel de azulejos de Padrão Pombalino (1780/1816) de Unknown / Real Fábrica de Louça ao Rato (?)Museu Nacional do Azulejo

Após o terramoto que destruiu Lisboa, em 1755, na reconstrução da cidade fez-se uso de azulejos de padrão no revestimento interior de novos edifícios. Seguindo novas tipologias, estes azulejos afirmaram-se como uma solução eficaz e de baixo custo.

São hoje denominados como pombalinos, do nome do primeiro-ministro do rei D. José I (r.1750-1777), Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro marquês de Pombal (n.1699-m.1782), responsável pelos trabalhos de reedificação da capital portuguesa.

Silhar ornamental com retrato de senhora (1820/1830)Museu Nacional do Azulejo

O período Neoclássico

A assimilação, tanto no azulejo como em peças cerâmicas tridimensionais, dos valores formais e técnicos da estética Neoclássica, que permaneceriam, com expressão eclética, até cerca de 1830, teve início na Real Fábrica de Louça, ao Rato, em Lisboa (1765-1835) na última década do século XVIII.

Paineis do Chapeleiro (6) (1790/1800) de Real Fábrica de Louça ao RatoMuseu Nacional do Azulejo

Produziu-se um conjunto muito alargado de silhares ornamentais, com grande aceitação e utilização por parte da burguesia, classe social que se afirmou como um encomendador exigente de composições azulejares decorativas.

O conjunto do Museu Nacional do Azulejo composto por sete painéis legendados alusivos à História do Chapeleiro António Joaquim Carneiro é paradigmático do novo tipo de encomenda, pois relatam a ascensão social de um rapaz pobre que o trabalho transformou num abastado burguês.

Painel de azulejos de padrão (1850/1900) de Fábrica de MassarelosMuseu Nacional do Azulejo

A produção indústrial

Durante o século XIX, a expansão das cidades e o alargamento de novas áreas urbanas, associados a uma mentalidade mais individualista de sucesso e ostentação de um estatuto que se adquiria pelo trabalho, levaram a uma crescente utilização do azulejo em fachadas, forma de diferençar os edifícios, de outro modo indistintos, com aspetos, por vezes, relacionados com os seus proprietários. Alguma da produção das fábricas do Norte do País começou a distinguir-se pelo recurso a formas relevadas na azulejaria, criando efeitos óticos de luz e sombra mais acentuados que aqueles que podem ser encontrados em Lisboa.

Painel de padrão com borboletas (1905) de Rafael Bordalo Pinheiro / Fábrica de cerâmica das Caldas da RainhaMuseu Nacional do Azulejo

Arte Nova

A produção de cerâmica entre meados do século XIX e os inícios do século XX ficou marcada pela industrialização do fabrico, permitindo que objetos cerâmicos entrassem, definitivamente, no quotidiano dos portugueses, e que os azulejos se afirmassem em revestimentos de fachadas, marcando os espaços urbanos.Paralelamente a este processo de democratização, assistiu-se, num ambiente de corte, ao surgimento de uma produção de autor com uma vocação essencialmente decorativa. As influências Arte Nova recebidas diretamente em França e mais tarde usadas no trabalho de Bordalo Pinheiro, o percursor deste gosto na azulejaria portuguesa, tiveram expressão quer na criação de peças tridimensionais, quer no azulejo.

Painel com relevo cerâmico de repetição. Série Sete Propostas para Arquitetura. (2006) de Manuel Cargaleiro / Vietri sul MareMuseu Nacional do Azulejo

A Cerâmica e a Arte Urbana

A História da azulejaria, a partir de meados do século XX, é difícil de caracterizar, pela multiplicidade de linguagens e propostas que apresenta, fruto do trabalho e pesquisa individual de cada criador. Este é o tempo da diversidade e o azulejo reflete essa sinfonia de linguagens, um coro de temas com lógicas visuais díspares...

Painel de placas, réplica do revestimento da embaixada de Portugal em Brasília (1991) de Querubim LapaMuseu Nacional do Azulejo

...tais como discursos puramente abstratos ou geométricos...

Painel de Azulejos (1999) de Bela Silva / Fábrica Viúva LamegoMuseu Nacional do Azulejo

...elementos figurativos...

Sinais de Lisboa (1988) de Cecília de SousaMuseu Nacional do Azulejo

...signos ou gestos caligráficos...

Painel (1988/1993) de Jorge Martins / Ratton CerâmicasMuseu Nacional do Azulejo

...e elementos puramente cromáticos.

Fernando Pessoa (1988) de Júlio Pomar / Lisboa, Fábrica Cerâmica Viúva Lamego, Produção Ratton CerâmicasMuseu Nacional do Azulejo

A associação desta arte centenária à modernidade e ao tempo presente promoveu a integração do azulejo naquilo que constitui a imagem do mundo atual, as redes de transportes e, especialmente, o Metropolitano.

Sombra de Convite (1980/1990) de Lourdes Castro / Ratton CerâmicasMuseu Nacional do Azulejo

O azulejo, tal como no passado, busca incessantemente novos desafios e já integrou algumas das linguagens próprias do mundo contemporâneo. Das imagens pixelizadas do campo informático (como os Azulejos do Oceanário de Lisboa, Ivan Chermayeff, 1998), à subversão do discurso dos grafitti, passando pela exuberância feérica da banda desenhada ou pelo depuramento das imagens da publicidade ou do design, ele demonstra uma extraordinária capacidade de adaptação e de reinvenção, as quais dificilmente encontram paralelo noutras formas de expressão artística.

Créditos: história

Conteúdos: Museu Nacional do Azulejo
Fotografias: Direção Geral do Património Cultural

Créditos: todos os meios
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes, podendo nem sempre refletir as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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