"Hoje, decorridos vinte anos, posso afirmar que minha experiência na Academia Lhote foi a mais proveitosa na minha formação de pintor. Encontrei aí a certeza das minhas intuições. Não que minha obra tenha influência da pintura de André Lhote – esta só se fez sentir nos trabalhos executados na Academia. Refiro-me à influência – e a valorizo – que exerceu na minha compreensão dos valores pictoriais. Lhote, como nenhum outro, fez-me ver as identidades na solução de cor, de valor, de ritmo, enfim, de todos os elementos da linguagem pictórica no mundo da pintura, que abrange todas as épocas. Não se creia, entretanto, que esta visão conduza ao ecletismo. Minha permanência na Academia, embora não tenha sido prolongada, foi suficiente para me dar profunda consciência dos verdadeiros valores da pintura. Pude estudá-la de maneira lúcida, dentro de uma diretriz até então impossível, evocando o velho ateliê que pertence a uma época no ocaso, posso deter-me diante de um quadro-negro, dependurado à parede, onde Lhote escrevera: 'Je suis fatigué de dire, que les anciens maîtres n’ont jamais pensé à faire une femme nue, mais faire un tableau' [estou cansado de dizer que os mestres antigos nunca pensaram em pintar uma mulher nua, mas em pintar um quadro]. Esta frase, que era princípio normativo da Academia, separava de maneira incisiva a arte da natureza. Nesta, aprendia-se a lógica da sua construção. Seu tratado de anatomia é a geometria."
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 131.
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