Painel do retábulo da capela-mor da Sé de Viseu (1501-1506) alusivo ao tema da Anunciação.
Gabriel, ostentando a longa filactéria de pergaminho, com a tradicional inscrição, assume a missão de mensageiro divino. Planante, embora em atitude de genuflexão, dirige o seu olhar à Virgem, que cruza as mãos à altura do peito. A pomba, símbolo do Espírito Santo, surge envolta numa auréola luminosa que acentua a sua visibilidade no campo figurativo e lhe assegura autonomia relativamente aos outros elementos.
A cena da Anunciação decorre, como é habitual, no espaço interior de uma habitação, preenchida com o leito da Virgem e alguns objetos de evidente intensão narrativa e simbólica, que aludem ao momento em que a Virgem foi surpreendida pelo mensageiro: o cesto com utensílios de costura; o livro de orações, ainda aberto. O horizonte visual prolonga-se através de duas aberturas para o exterior, uma das quais deixa entrever um fundo arquitetónico e a figuração de um poço (o «poço de águas vivas»), que simboliza a virgindade de Maria.
Uma conceção hesitante do espaço é visível no traçado do pavimento em perspetiva e nas dificuldades de articulação com o vaso de açucenas (símbolo da castidade de Maria). A fisionomia dos rostos, a cor e a forma dos cabelos, ruivos e anelados, assim como o tratamento dos panejamentos, que conferem volume e acentuam com angulosos pregueados a monumentalidade das figuras, permitem estabelecer uma relação direta entre este painel e a pintura flamenga. Embora se registe uma certa simplicidade na ornamentação do enquadramento - a parede do fundo, de manifesta simplicidade, surge desprovida de qualquer elemento decorativo - é notável o tratamento realista de alguns pormenores, nomeadamente o friso de pedras preciosas que remata o longo vestido de Gabriel ou o véu, realisticamente transparente, que se sobrepõe aos cabelos da Virgem.
Os desgastes e os repintes são especialmente visíveis na parte superior do painel, numa zona que originalmente deveria estar oculta pela moldura.