SAMBA BARROCO
“Azulejões”, assim lhes chamou a artista brasileira. Azulejos grandes ampliados para a escala na qual o seu assunto passa a ser o estalado transformado em brecha. A enorme dimensão dos azulejos, rigorosamente facsimilados dos seus modelos reais, é de uma enorme proficiência técnica, mas esse não é o aspecto fulcral, porque o nosso olhar não nos faz ver as pinturas como pinturas sobre tela (que são), mas como enormes superfícies cerâmicas.
Adriana Varejão tem tratado nas suas obras a questão da relação colonial entre o Brasil e Portugal, desde os primeiros trabalhos, pinturas de género que mostravam a vergonha e o lado libidinoso das roças. Nos azulejões, de que temos dois fragmentos de um gigantesco painel, a memória do barroco português é convertida numa escala brasileira, imensa e ultramarina, tornada numa enorme onda, marítima e tão complexa como a saga brasileira.
Não é, portanto, um discurso visual sobre o colonialismo. É sobre a relação entre o Brasil e Portugal, sobre a forma como o barroco foi apropriado pelo samba, como a voluta decorativa ganha uma escala épica e carnal, como a prega de tecido se transforma em prega de carne, como acontece nas suas esculturas.
Estas pinturas, no entanto, extravasam a temática colonial, porque as suas fissuras são herdeiras de Lúcio Fontana, o artista italiano que, no final da década de quarenta efectuava cortes precisos nas telas monocromáticas. Adriana Varejão encontra nessas fissuras o passaporte para um universo carnal. Nas suas telas, por vezes, há línguas de carne (tão realistas que se tornam grotescas) que saem do seu interior.
Nos azulejões essa violência é mais contida, mas o horror espreita por detrás da decoração, por baixo da decadência dos seus craquelês.
Delfim Sardo
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