vou-a pela primeira vez ao baile do
Mourisco para dançar, as pessoas
foram tomando conhecimento do
funk. Nessa mesma época, início dos
anos 80, Hermano escreveu um pa-
norama da música pop africana para
a revista Bizz. O diretor de TV Beli-
sário Franca leu e convidou-o para
fazer parte de um projeto de uma
série de documentários sobre o pop
africano, como roteirista.
"Achei que aquilo nunca ia sair.
E, de repente, estava num vôo Rio
- Lagos, para fazer entrevistas. Acho
que não sou antropólogo e faço te-
levisão porque gosto de televisão
ou antropologia. Eu gosto de gente.
E essa é a maneira que encontro de
chegar às pessoas. Se desembarcasse
como turista na Nigéria, não ia fazer
nada. Mas como era a TV, a gente fez
tudo de mais interessante que estava
acontecendo. Quando descobri que
as pessoas abriam a porta para a te
levisão e eu ia a festas na casa delas,
disse pra mim:'Caramba, isso é bom,
quero fazer mais!
De volta da África, recebeu um con-
vite para a exposição do artista plásti-
co Luiz Zerbini, na época casado com
Regina Casé. Mesmo sem conhecer
nenhum dos dois, foi à vernissage no
Parque Lage. Chegando lá, Regina se
apresentou, dizendo que estava len-
do pela segunda vez seu livro sobre o
funk, para compor uma personagem
100 PODER JOYCE PASCOWITCH
que fazia na TV Pirata. Assim come-
çou a amizade dos dois.
Quando TV Pirata saiu do ar, Re-
gina apresentou Hermano a Guel
Arraes. Do encontro dos três, sur-
giu o Programa Legal, com a idéia de
abordar temas como funk, baile de
debutante, futebol, numa mistura de
documentário com humor.
E lá se foi o antropólogo
Hermano
Vianna mostrar no horário nobre da TV
Globo não o país dos cadernos de cultu-
ra, mas a cara que o Brasil tem à vera.
"Eu, o Guel e a Regina somos um
núcleo. Alguém lança uma idéia e, da-
qui a pouco, ninguém sabe quem deu
a partida para aquilo. É uma produção
colaborativa de conhecimento."
Guel Arraes deu a Hermano o livro:
Hermano Vianna: por fora quietude
por dentro inquietude em movimento!
E sai da frente... O rapaz é um trator !!!!!
o Infra-Ordinário. Nele, o autor,
Georges Perec, mostra que os deta-
lhes da vida cotidiana podem ser mais
reveladores do que os grandes acon-
tecimentos que estão no jornal. Daí
surgiu o programa Brasil Legal, uma
espécie de antitalk show, no qual Re-
gina entrevistava do homem que toca
sinoem Pirenópolisa menina da Barra
da Tijuca que gosta de malhar. "Essas
pessoas não tinham feito nada para
virar notícia, mas a gente achava que,
por meio delas, dava para entender as
novidades da cultura brasileira."
negociação intensa. "As pessoas
identificam a Globo como uma en-
tidade homogênea em que todo
mundo pensa igual e que tem uma
cartilha para você seguir. Não é. Não
havia interesse sobre a periferia. Nós
batalhamos e mostramos que era im-
portante. Agente sempre fez na tele-
visão o que queria ver na televisão.
Nunca foi uma encomenda."
Em seguida, a trindade colocou no
ar o programa Central da Periferia, um
grande palco montado em favelas pelo
Brasil afora, cujas atrações musicais
nunca tinham sido mostradas nem
nas afiliadas locais da TV Globo, mas
que faziam um sucesso extraordinário
de público. O interessante é que esses
grupos não precisavam da televisão
Não pense que esse percurso foi
fácil. Para que cada um desses pro-
gramas entrasse no ar houve uma
em repouso,
GILBERTO GIL
para fazer sucesso, mas, sim, para le-
gitimá-los como algo que verdadei-
ramente existe. A banda Calypso, por
exemplo, quando pôs os pés na televi-
são, já era um fenômeno consolidado.
"Fica faltando alguma coisa para
eles, que vêem aquele sucesso, mas
parece que tomaram uma droga e
aquilo não está acontecendo. Porque
a mídia, que ainda é uma espécie de
selo de legitimação das coisas, não
falou do trabalho deles. A televisão é
um pouco envergonhada do popular.
Quer melhorar o nível. Outro dia li
uma entrevista do Gianecchini dizen-
do que novela é fábrica de pizza. Tem
um certo menosprezo por aquilo que