L PAPO-CABEÇA PRA PENSAR
GILBERTO GIL
Artista genial ministro. Um luxo. O Ministério da Cultura nunca esteve
em tão boas mãos. Mãos negras. Sua visão brasileira e universal imprime marca forte no governo,
"um acréscimo a esse perfil de novidade que o presidente Lula significa". E que acréscimo.
Gil é como a personificação da cultura brasileira.
C
Para mim não tem
outra coisa. É tudo cultura
FOTOS MANOEL MARQUES
O que é ser ministro?
Eu já era ministro de Xangô lá do
terreiro do Afonjá, na Bahia. Eu
disse: "Ser ministro já sei o que
é." A gestão pública é uma coisa
bem própria, com seus canones.
Ao mesmo tempo, uma das tradi-
ções é o desafio, especialmente
num caso como esse, em que um
grupo político pela primeira vez
assume o poder, e vindo de uma
história de contestação, de oposi-
ção, de proposições diferenciadas
em relação ao futuro. E também
a dimensão pessoal. Primeira vez
que aceito gerir uma máquina fe-
deral, num país grande, com re-
cursos pequenos, e de muita diversidade.
GIL: "AGORA ESTAMOS NOS AFEIÇOANDO À MÁQUINA."
O que pesou a favor?
O presidente Lula representava uma quebra de
tradição na vida política, administrativa do País.
Significava um pouco querer somar ao perfil de-
le alguma coisa fortalecedora desse perfil. O fa-
to de eu ser artista, negro, de ser um moderno,
caracterizava essa possibilidade de acréscimo
a esse perfil de novidade que o presidente Lula
significa. Também eu vislumbrava um grupo de
pessoas com as quais tinha me habituado a pen-
sar a dimensão cultural brasileira, tentar con-
tribuir para essa visão.
E contra? Noticiaram que teria dito que, com
salário de ministro, seria inviável.
Era uma preocupação, e legítima. Sentei com um
ALMANAQUE BRASIL
cutivo amigo meu, que pergun-
tou: "Qual sua poupança hoje?” Eu
disse: "É xis." E ele: "Bom, em qua-
tro anos, se não tiver realimentação,
você vai gastar 80, 90% desse dinhei-
ro. Está com 60 anos. Quando sair,
vai ter mais dificuldade de recons-
truir a possibilidade de velhice tran-
qüila." E realmente fiquei preocupa-
do. Uma repórter veio me entrevistar.
Eu disse: "Só posso aceitar se puder
continuar trabalhando como artis-
ta), não tenho condições de sustentar
minha vida com salário de 8 mil
reais." Pronto, foi isso. Um impulso
natural, de um ser humano preocu-
pado com as coisas da sua vida. Ega-
nhou uma dimensão de anti-republicanismo.
Primeira vez
que aceito gerir
uma máquina
federal, num
país grande,
com recursos
pequenos.
E o desafio? Isso pesou?
Não, quanto a isso estava tranqüilo. Sei o que é
gestão pública. Já havia sido secretário de Cultu-
ra de Salvador. Além disso, tenho uma história de
gestão dos meus negócios. Sou formado em Admi-
nistração de Empresas. E, quanto ao desafio, fui
tropicalista, sei o que foi, desafiar o coro dos con-
tentes, o convencionalismo. Mas havia desafios
pessoais. Um dos principais problemas era: vou
ter que acordar cedo. Mas a compensação é que
agora não durmo tarde. Onze horas. Meia-noite.
Que situação encontrou ao tomar posse?
Achamos o organograma um pouco confuso. Ou-
tro problema óbvio era a escassez de recursos.
Só para comparar, o orçamento da Secretaria de
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