A FELICIDADE DEPOIS DO LUTO
A pintura de Bruno Pacheco é sempre um jogo com a história da fotografia, com a televisão como dispositivo de massas e com a própria história da pintura enquanto prática e género artístico.
Durante um período relativamente alargado da sua produção o artista desenvolveu um tipo específico de género pictórico (e fotográfico), o “retrato de grupo”.
Na história da pintura existe uma longa tradição desta tipologia, normalmente centrada sobre a necessidade de representar grupos profissionais, sociais, políticos e familiares. Não é necessário um grande esforço para encontrarmos exemplos muito diversos das estratégias de representação de grupos na história da grande pintura europeia, desde o famoso caso da Ronda da noite (1642), de Rembrandt van Rijn, até Las meninas (1656), de Velázquez. Em qualquer destes casos (como de muitos outros ao longo dos séculos XVII e XVIII), o retrato de grupo serve um propósito que é simultaneamente global – com frequência propondo um determinado cânon político, uma configuração ideológica ou uma consagração social – e centrado sobre o carácter de cada uma das personagens que o compõem.
O retrato de grupo fotográfico opera de forma diversa: normalmente frontal para a câmara, ele possui na objectiva o seu centro e é para ela (para a promessa de perenidade do momento específico da reunião que a fotografia cristaliza), que as atenções dos retratados se concentram.
É esta tipologia fotográfica que Bruno Pacheco trouxe para o interior do universo pictórico, retratando conjuntos (de soldados, de raparigas, de turistas, de palhaços) a partir de fotografias mais ou menos indiferenciadas de grupos que não possuem nenhuma razão específica senão a sua organização para a fotografia celebratória.
Claro que esta lógica fotográfica, quando convertida em pintura – com a sua monumentalidade, morosidade e dificuldade processual – ganha uma ironia e coloca uma questão sobre quais as condições que uma imagem deve possuir para merecer a sua conversão em pintura (com toda a carga de passado e tradição das “belas-artes” que traz consigo). De facto, a ironia presente em Happy hour antevê uma interrogação, muito pertinente no contexto actual da prática da pintura, sobre o sentido da imagem pictórica, na medida em que, depois das grandes transformações que a pintura sofreu durante o século XX (com o surgimento da abstracção, da colagem, da relação com a reprodutibilidade na pop art) foi objecto de sucessivos anúncios de morte, sistematicamente seguidos de processos de luto.
Na pintura de Bruno Pacheco existe uma relação com a tradição da prática da pintura que sobreviveu a estas sucessivas mortes, mas que não vive já do seu luto.
Como acontece em Happy hour, é a banalidade televisiva do ambiente circense, cruzado com a lógica visual do meio fotográfico, que alimenta a possibilidade da pintura, provavelmente tão mais abstracta quanto mais tomada pela irrelevância da figuração indiferente.
Delfim Sardo
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