Pintor de ar livre, nas belas séries de registos de praias, Carneiro realizou também diversos estudos de «paisagens» monumentais no interior de algumas igrejas, em particular na gótico-barroca igreja de S. Francisco do Porto. Concretizaria assim o seu temperamento místico e católico, mas também a atracção plástica pela florescência fantasmática da talha dourada. Não há, nesta atitude, nenhuma intenção de descrever ou narrar, antes captar a ambiência sagrada de um interior onde a luz se esparsa em cintilações múltiplas.
Neste caso, o pintor escolhe uma vista compacta que joga coma riqueza da espacialidade: a cancela aberta no primeiro plano, os grandes arcos que organizam a nave, os arcos do fundo que abrem capelas. A luz vem do chão e da claridade branca do alçado adivinhado, apagando-se, nos ouros dos pilares, em tonalidades tímbricas, amarelas e castanhas, inesperadamente verdes em algumas bases. Exercício solitário e meditativo de pintura, nele Carneiro convoca o silêncio como corpo imponderável de sentimentos sagrados.
Raquel Henriques da Silva