UM PERCURSO
As imagens fotográficas de Ernesto de Sousa são pormenores de uma narrativa, são fotografias de cineasta, são restos e fragmentos de memórias, testemunhos de momentos, mapas de relações pessoais e exercícios de militância estética.
Na sua sequencialidade, elas constroem um panorama da arte portuguesa e dão conta da teia de relações pessoais que definiu, no final dos anos setenta, uma rede de caminhos que passava pela recusa da pintura, por uma ideia vaga de experimentalismo e por um fascínio com a possibilidade transformadora de uma arte que cruzasse conceito e mudança.
A revolução, a sua utopia, a ficção de absoluta transformação passam por estas imagens, partem de um projecto misterioso que lhes associa a marca do seu pé efectuada com tinta de carimbo sobre uma tira de limpar sapatos do Hotel des Colonies, de Bruxelas, e um subscrito remetido ao “Pintor José Ernesto de Sousa” pela Fundação Calouste Gulbenkian. Apresentada à exposição O papel como suporte de expressão plástica, que teve lugar na Sociedade Nacional de Belas-Artes em Julho de 1977, acabou por ser truncada pelo júri que só admitiu as provas de contacto fotográficas – o que levou Ernesto de Sousa a retirar a peça da exposição no dia da inauguração, com aparato e registo videográfico.
Estas imagens de Ernesto de Sousa são um sinal desses tempos de rápida mudança: a marca de um pé num impresso de hotel, um subscrito, as provas de contacto como fotogramas de um possível filme, a ironia da exposição do título “pintor”: tudo fala de deslocação e de mudança, de viagem e de inquietude.
São um momento no fluxo de sinais de mudança que foi o seu percurso de crítico, de ensaísta, de operador estético, como ele se chamava.
Delfim Sardo
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