O RIGOR DO RECORTE
Júlio Pomar é uma presença constante na pintura portuguesa nos últimos sessenta anos, tendo desenvolvido percursos e tipologias que correspondem aos diferentes momentos históricos que atravessou, desde o neo-realismo da década de quarenta até à sensualidade cromática da pintura da década de oitenta, aos períodos de intenso trabalho de desenho.
Também tematicamente os seus trabalhos cobrem a multiplicidade das suas paixões literárias, os cenários que o fascinaram, os animais que povoam a sua galeria iconográfica.
Há dois caminhos que estabelecem a genealogia da pintura para o século XIX: uma tónica na construção da imagem a partir do desenho, oriunda de Ingres, e uma segunda, trabalhada a partir da massa de cor e da espessura da mancha de tinta a partir de Renoir.
Pomar seguiu um caminho, no desenvolvimento da sua pintura, que o levou, progressivamente, a inserir-se nessa linhagem de Ingres e Matisse, de construção da imagem a partir do desenho, da superfície cromática que se recorta.
Nas duas obras que pertencem à Colecção da Caixa Geral de Depósitos, ambas da década de setenta, há uma enorme clareza nesta opção, como se a luxúria da cor desse lugar à inevitabilidade do desenho para a construção de uma erótica. É disso que se trata, do desenho de corpos que se cosem, que se colam, que se recortam contra um fundo que é o plano desse acontecimento.
Esta opção deriva, provavelmente, do enorme virtuosismo do seu desenho, narrativo em cada momento do traço, mas também da paixão pela composição matisseana, pela sobreposição de planos e pela intensidade de cada campo cromático.
Delfim Sardo
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