"[...] Eu não tenho uma intenção, tenho um desespero, uma ansiedade, tenho que passar para o quadro tudo o que está se passando em mim, todos os meus sentimentos, tudo o que eu penso ver. Porque na verdade, quando nós interpretamos uma figura, nós vemos, ou supomos ver, alguma coisa que está naquela figura, dentro dela. Aquilo é um ser, é uma coisa viva, e eu tenho essa coisa de penetrar, quer dizer, de sugar, como se eu quisesse te roubar a alma. Eu tenho que tirar de ti tudo o que tens de vital, por isso tens que participar também daquela minha formação. Eu nunca poderia ser um decorador, porque até acho que não gosto de cor... [...] A minha paleta é uma paleta do sentimento, é uma paleta da alma, dos meus sentimentos... Porque senão eu diria: o quadro mais belo que eu conheço, o mais fabuloso, é o arco-íris, o mais perfeito, o mais puro... Mas eu não quero saber do arco-íris, quer dizer, o arco-íris fica no céu, muito bem, mas para mim de nada serve."
COTRIM, Cecília. A paixão na pintura. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 34, 1992: p. 110. (Fala de Iberê Camargo).
"Não deixa de ser instigante que um artista tão pouco indulgente com a cultura de massa como Iberê tenha se interessado pelos manequins expostos nas vitrines, ao ponto de torná-los um dos motivos centrais de sua última produção. [...] Nos manequins de Iberê não há, parece-me, nem a busca de uma essência metafísica (ainda que, no caso de De Chirico, essa essência seja uma ausência), nem a construção de um objeto de desejo. Reduzidos ao plástico nu ou enfeitados de uma maneira que não deixa de ser grotesca, esses seres que simulam a vida são companheiros naturais das mulheres sentadas, das idiotas, dos ciclistas, com que compartilham o espaço de tantas telas e gravuras. O que os une é uma disponibilidade inerte para o mundo, sem mais sentido, sem mais desejo: são junkbodies, corpo-lixo. [...]"
MAMMÍ, Lorenzo. Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2014. p. 14-15.