Uma das peças extraordinárias reveladas no chamado "Fundo Antigo" do Museu Nacional do Azulejo, este painel, de proveniência desconhecida, emprega um dos discursos mais enigmáticos da azulejaria do século XVII em Portugal. Nele reconhecemos as gravuras que lhe serviram de base, retiradas da influente obra de Sebastian de Orozco y Covarrubias (1539-1613), Emblemas Morales, publicada em Madrid em 1610. Assim, na sua composição foram associadas cinco imagens que seguem, de modo mais ou menos fiel, o referente da obra que as inspirou, com a exceção do grande barco, que ocupa o centro da composição. Este, na gravura, não apresenta tripulantes, mas no painel azulejar eles são representados por figuras femininas, ricamente trajadas, ainda que esboçadas, que remando conduzem a embarcação. A síntese das ideias expressas nos emblemas que integram a obra de Covarrubias, transcritas em três dos casos nas filacteras com legendas em latim que integram o painel, pode traduzir-se, de forma simples, do seguinte modo: exortar a uma fuga, pois esta pode transformar-se em vitória (o barco), porque os que vencem frutificam, enquanto os que perdem, secam (a coroa com as duas palmas, uma das quais seca), sendo necessário permanecer firme, face à transformação das circunstâncias (a pirâmide), e sereno na adversidade (o cipreste), mesmo quando os poderosos atuam (os grandes peixes que devoram os mais pequenos). O desconhecimento do local a que se destinava esta peça não permite identificar claramente o discurso subjacente. Se poderíamos ver nele uma manifestação política contra o domínio espanhol que então ocupava o País, até 1640, interpretação possível caso o painel se encontrasse num espaço civil, a presença das figuras femininas no barco poderá alterar esta ideia. Assim, a imagem poderá remeter para o incitar a uma fuga ao espaço mundano e à procura de refúgio na reclusão de um convento, neste caso, necessariamente, um espaço feminino, onde o painel se encontraria e seria, à época, entendido.
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