"Teria eu três, quatro anos e lembro-me de gostar de me sentar no chão, mesmo debaixo da caixa do piano, enquanto a minha Mãe estudava. Era uma forma de ficar mais perto dela, como se estivesse dentro de uma espécie de ventre musical, imersa nas ressonâncias da apassionata, do Concerto em sol menor de Mendelssohn, da Dança Ritual do Fogo de Falla…
Depois havia os ensaios com os colegas e alunos, as aulas de preparação para os exames, a Música que sempre se ouvia em casa e a minha Mãe, - de sorriso transbordante e sempre generoso, - a atender uns e outros.
Lembro-me também do Conservatório na rua do Carregal e do orgulho que sentia quando me apresentava como aluna da sua classe de piano, detentora das suas próprias memórias sobre o Conservatório, como ela tantas vezes me contava: “ Naquele tempo entrar no conservatório era como entrar num templo; (...) nunca esqueço o dia em que fiz prova de admissão ao conservatório e a Dª Helena [Costa] me mandou chamar para me dizer que eu tinha sido escolhida para ser sua aluna; (... ) que privilégio o meu ter sido sua discípula e amiga durante toda a vida ; (…) tocar no Conservatório é o local onde o desafio é maior, onde mais pesa a responsabilidade (...)”.
O sentimento de pertença ao Conservatório era enorme e dava-nos uma sensação de estar em casa. As relações mestre/discípulo confundiam-se com as relações familiares, com vínculos que perduravam de geração em geração, através das quais passávamos de alunos a professores, de pais a filhos e até a netos!
O rigor, a disciplina, a exigência técnica e artística eram valores incutidos e arduamente trabalhados mas sempre moldados pelo Humanismo que caracterizava os nossos Mestres e que disso nos davam exemplo.
Lembro-me ainda dos tempos vibrantes aquando da ocupação do Palacete Pinto Leite, e do entusiasmo com que a minha Mãe viveu essa nova fase de liberdade, que uniu professores, alunos e funcionários na defesa de melhores condições para as instalações do Conservatório. Esta mudança culminou num concerto memorável, à luz de velas, pois ainda não havia ligação de eletricidade…
Poderia ainda lembrar os tantos alunos que minha Mãe formou e que hoje ocupam variadíssimos lugares de relevo na vida musical portuguesa. Ou os inúmeros recitais a solo ou de música de câmara em que atuou. Ou os concertos com a orquestra sinfónica em que foi solista, sob a batuta dos maestros Frederico de Freitas, Silva Pereira, Gunther Arglebe, Manuel Ivo Cruz, entre outros.Ou os prémios que obteve...
Mas prefiro lembrá-la assim, - no seu sorriso transbordante e generoso, - sempre disponível para apoiar alunos e colegas de piano, de violino, de violencelo, de canto… qualquer um sabia que podia contar com ela na sua imensa paixão com que se entregava à Música.
Em memória da pianista e professora Maria Teresa Xavier, minha Mãe.
Em memória de todos os pianistas professores do Conservatório de Música do Porto."
Teresa Xavier
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