Um esboço autobiográfico
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"Nasci em 18 de novembro de 1914, no Rio Grande do Sul, em Restinga Seca, onde meu pai era o agente da estação da Viação Férrea.
Meu pai chamava-se Adelino Alves de Camargo, e minha mãe, Doralice Bassani de Camargo, também ferroviária.
Começei a desenhar com quatro anos de idade. Sentado no chão, debaixo da mesa, passava horas a fio a rabiscar.
Restinga Seca era para mim a estação da Viação Férrea do Estado, a caixa d'água; a sanga; o rancho da Bua, minha ama; o Ipo, que me trazia escanchado ao pescoço, cavalgando; a arapuca armada na moita à espreita do pássaro; o meu automóvel de brinquedo esquecido no oitão da estação sobre uma pilha de postes de ferro; o doutor Valentim, negro retinto e pachola, permanentemente bêbado, a enticar na hora do trem com a negra Egalantina, empregada de minha mãe, com este estribilho: 'No céu não luzem estrelas pretas'; ainda, o buraco fundo com seus ninhos de caturritas; o moço de culotes brancos descendo afoito para impressionar as moças; a Célia, que desenhou para mim um grande peixe colorido; a menina nua, chorando, encostada à parede; a Chata, irmã de criação, e as nossas maldades. E longe, longe, longe, meu pai e minha mãe andando pequenininhos, no caminho do cerro. São lembranças, imagens de um livro de viagem."
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CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 115-117.
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