Santa Ana e a Virgem é uma escultura de vulto a três quartos, escavada no verso, conjunto destinado a ser observado de um ponto de vista único e frontal, como acontece com numerosa imaginária de altar, em que o trabalho de acabamento posterior é muito mais sintético. Os numerosos drapeados das vestes, plissados e curvilíneos, surgem com sugestão de movimento, reforçado pela inclinação da cabeça da santa e o texto das Escrituras, colocado diagonalmente sobre a perna esquerda. O tema da educação da Virgem, amplamente glosado no século XVIII, acentua o primado da educação religiosa e das virtudes cristãs na formação do homem, aproximando o crente de uma realidade inteligível e à sua dimensão.
A escultura Santa Ana e a Virgem da autoria de Claude Laprade está classificada como Tesouro Nacional. Esta obra mostra como aproveitando a prosperidade económica e a estabilidade política, o cabido da Catedral de Viseu aderiu às políticas culturais de renovação artística, financiando dispendiosos e arrojados programas retabulares para a Catedral. Durante a vacância de 1720-1741, preconizando um programa iconográfico e decorativo ambicioso, recorreu aos artistas mais conceituados na arte da talha. A um dos principais escultores estrangeiros que se fixou em Portugal no período pedrino-joanino, o francês Claude Laprade, o cabido encomendou três esculturas para os retábulos laterais - duas ainda in situ, o S. Pedro e o S. João Baptista, a terceira a Santa Ana e a Virgem, obra executada para o altar de Santa Ana, em 1723. Em 1758 já tinha susbtituida.
A renovação da escultura de vulto em Portugal por via da atividade de escultores italianos e franceses na primeira metade do século XVIII, graças ao impulso mecenático de D. João V, conheceu a sua máxima expressão classicizante nas obras áulicas de Mafra. Porém, a adesão ao barroco internacional de inspiração berniniana não teve uma difusão geográfica capaz de capitalizar uma influência significativa no panorama da escultura portuguesa da época. Esta generalidade mantém um discurso formal naturalista e tradicional. As inovações emanadas de repertórios clássicos sentem-se com maior acutilância nas estruturas retabulares e nos programas decorativos da talha dourada - o denominado ʺestilo joaninoʺ - com a introdução de colunas salomónicas, sanefas e baldaquinos e uma ornamentação de palmas, grinaldas de flores, festões, atlantes e alegorias, que configuram o auge da estética barroca em Portugal. Se as questões de natureza iconográfica continuam a dominar a figuração, não deixa de ser evidente, que a escultura de vulto se espacializa e humaniza, redimensionando os espaços da sua inserção, através da sua monumentalidade e dos efeitos cenográficos da sua gestualidade, conquistando para si um discurso plástico e formal mais poderoso. A forma dinamiza-se, adquirindo uma maior plasticidade e um adensamento das torções anatómicas, na multiplicação dos volumes e ritmos das vestes, cada vez mais artificiosos e apelativos dessa outra realidade - o sagrado - que se presentifica pelo pathos da luz imanente das figuras em ação. Estas não evocam apenas um episódio dignificante da santidade, mas agem e denunciam expressivamente a dimensão sagrada em que se inscrevem. As imagens são figuradas em movimento - um instante memorável da vida dos santos, transmitido com veracidade. As dinâmicas do novo gosto repercutiram-se em interpretações por todo o País, fenómeno a que a diocese de Viseu não ficou alheia.