Retábulo originalmente pintado para a capela do claustro renascentista da Sé de Viseu. No painel maior figura o escultural S. Sebastião, atado à coluna e elevado num pedestal, acompanhado dos algozes que o martirizam com flechas. Um anjo planante, com a palma do martírio, representa-se no canto superior esquerdo. No fundo, à direita, entre arquiteturas de forma bem definida, representa-se um agrupamento de figuras que parecem indiferentes à cena. Na predela figuram, sob a forma de busto, e enquadradas por uma paisagem que se desenvolve de modo contínuo, Santo Estevão, S. Brás e S. Roque.
Genial no agrupamento das figuras e na organização dos volumes arquitetónicos, que configuram duas diagonais dinâmicas, contrariando como é habito do seu autor, Vasco Fernandes, a solução da frontalidade, subtil nas breves gradações tonais do solo, construindo sem acidentes nem sobressaltos a profundidade espacial, faz aqui acrescer ao rigor analítico da forma, bem visível no tratamento dos panejamentos abandonados com negligência no canto inferior direito da pintura, ou no depuramento formal da corda que fixa à coluna o corpo do Santo, o caráter mais sintético e mais expressivo da forma. Esta opção é especialmente visível no tratamento do nu, numa unidade cromática que faz lembrar a da forma esculpida na pedra e que faz evocar a sensibilidade italianizante, mas também nas figuras dos algozes, que de forma destemida aproxima do limite do campo figurativo. Algumas presenças discretas incluem-se nesta imagem, onde a figura poética do mártir domina. O pano sobre o pedestal, o porta-setas e as tamancas abandonadas no solo são componentes fundamentais do discurso de Vasco Fernandes. Servem para sugerir a profundidade espacial e para adensar a estrutura narrativa. Mas, fundamentalmente, servem também para criar na pintura a ilusão do real, para surpreender e impressionar, pela sua espantosa realidade física, ou, porque não pela sua força poética, o espectador. São também, na maioria, presenças simples e discretas que fazem parte do quotidiano familiar. E é mais do que legítimo nesta sensível diferença entre a pintura de Vasco Fernandes e a dos principais mestres seus coetâneos, isto é, na de opor este universo de coisas simples ao fausto e à sumptuosidade dos cenários e dos objetos que preenchem e saturam, não raras vezes, o espaço da representação .
Não fora o mau estado de conservação em que chegou aos nossos dias, que lhe desvirtua significativamente valores de escrita pictural, e poder-se-ia afirmar que o S. Sebastião corresponde a um dos principais momentos criativos do seu autor.
Dalila Rodrigues