Cada língua oferece seus próprios atalhos através das ideias e das emoções. Em português, por exemplo, nos orgulhamos de compartilhar a palavra saudade, sentimento contaminado pelo afeto e pela dor e que, em outras línguas, só pode ser expresso por combinações entre as ideias de falta e melancolia. Por outro lado, não temos uma palavra que equivalha ao termo unheimlich, consagrado e debatido por Freud em seu ensaio “Das Unheimlich” de 1919. Sem tradução direta para o português, a palavra indica algo que está entre estranho e familiar, que é excessivamente próximo e ao mesmo tempo emerge de um contexto ameaçadoramente irreconhecível.
Embora voltada à psicanálise, a reflexão sobre o termo extravasa esse campo. No seu cerne, está a descoberta de que o estranhamente familiar nada mais é do que o aprofundamento de um dos sentidos do ambivalente termo heimlich (doméstico, familiar): o que se protege na intimidade da casa também é o que se esconde do olhar de outrem, o que permanece recolhido, e é quando ele emerge inesperadamente para fora de sua reclusão que se produz o efeito de unheimlich.
O mote desta exposição é procurar aproximações a esse conceito, através de caminhos que passam ao lado das obras de um instigante grupo de artistas. Os novos trabalhos de Alice Miceli, Mariana Manhães, Rodrigo Matheus e Thiago Honório, cada um à sua maneira, reorganizam as polaridades em jogo na apreensão desse sentimento que, mesmo difícil de definir, ecoa alguma lembrança em cada um de nós.
Paulo Miyada
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