Em A primeira missa, Zerbini revisita criticamente o gênero da pintura histórica, que, na tradição, representa grandes eventos da história de uma nação, frequentemente de um modo idealizado e a serviço de uma ideologia. A cena da “primeira missa” em terras ocupadas pelos invasores europeus é um dos emblemas visuais mais potentes da colonização, refletindo a centralidade da ideologia cristã na dominação dos indígenas e nativos nesse violento processo. Há muitas pinturas celebrando o evento — no Brasil ocupado pelos portugueses, nas Filipinas, pelos espanhóis, e no norte da África, pelos franceses. Nelas, o padre, o altar e a cruz estão sempre ao centro, e os indígenas, quando surgem, estão nas margens do quadro — é o caso da visão clássica de Victor Meirelles (1832-1870). Em contraponto, na representação de Zerbini, encontramos ao centro uma poderosa mulher indígena, cuja imagem é apropriada de uma fotografia de Walter Garbe. Vários elementos amazônicos povoam a tela: o peixe que engole a mulher é um pintado, a cobra na cabeça do personagem lusitano (uma figura apropriada da pintura de Nuno Gonçalves [circa 1420-1490]) é uma jiboia, as folhas curvilíneas são de embaúba, as aves são um papagaio e um japu. A cena da primeira missa em si está às margens da obra, representada em escala diminuta ao fundo, no canto superior direito, com uma cruz de madeira sobre uma base branca desprovida de personagens, concluindo a visão radical e a essa altura já icônica de Zerbini (ainda que fabulosa ou fantasiosa) desse agressivo encontro. — A.P.
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