Os desenhos realizados por Iberê durante suas idas ao Parque da Redenção, em Porto Alegre, evidenciam fortes preocupações de fixar, por meio deles, o instante fugidio, e de captar o mistério das coisas.
As árvores desgalhadas, surradas pelo vento, com galhos tortos, pelas quais Iberê tinha muito apreço, remetem à paisagem como a metáfora de um estado da alma.
"As contínuas reformas na nossa cidade – a cidade é a nossa casa – nos transformam em forasteiros. O progresso é uma ação de despejo em execução. Por isso, um belo dia, na temida velhice, sentimos a incontida vontade de voltar a nosso pátio, para reaver as nossas coisas que lá deixamos.
Procuramos, nesse retorno, o velho cinamomo que nos fornecia a munição – seus pequenos frutos – para as nossas guerras, a velha laranjeira onde tantas vezes nos encarapitamos, brincando de esconder, e, enfim, as coisas que compunham nossa paisagem. Aí sentimos vontade de abraçá-las, de beijá-las, de chorar e de fazer como os gatos, que alçam a cauda e ratificam a posse. Mas aí percebemos assustados que o gato não tem mais força e que as coisas não estão mais."
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 103.
"O retorno efetivo da paisagem na obra de Iberê se dará através das composições dos anos 1980. São obras com figuras e fundo plenamente definidas, obras com um alto grau de complexidade na sua concepção e elaboração. Dois estudos [tombos D1025 e D2094] desse período exemplificam bem a função da paisagem em sua obra nesse momento: o estudo para Fantasmagoria IV é uma intricada teia de informações, sugerindo mais do que mostrando a paisagem, resultando num desenho áspero e tortuoso. O segundo desenho, sem registro de finalidade, é mais definido: vemos as árvores e o fundo distintamente, e esse nos permite uma imersão no universo da paisagem e também do trabalho por si, diante da riqueza do material utilizado, caracterizado por uma fatura espessa e aveludada.
Se o retorno da paisagem se dá de modo efetivo nesse período, ela não corresponde à paisagem topográfica dos anos 1940 e, mesmo, aquelas saudosistas dos anos 1970. A paisagem aqui, mesmo quando mantém os traços identitários de lugares, tem uma nova função: são registros sobre o estar no mundo e não de um lugar, ou locus, são representações de estados de alma, apontamentos sobre lugares, mas principalmente, retratos de outros lugares interiores: 'Nas telas de Iberê dos anos 90, as paisagens parecem ser geradas de dentro. De dentro do próprio pintor, de dentro dos corpos humanos presentes nas telas; como se fossem criadas a sua medida' [...].
GOMES, Paulo. Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares. Fundação Iberê Camargo: Porto Alegre, 2015. p. 126-128.