"Ele [Guignard] é um moderno descendente dos primitivos italianos. Deles – creio – herdou o amor ao grafismo e ao modelado suave, apenas o suficiente para sugerir plasticidade à forma. Sua pintura é luminosa, a linha incisiva. No desenho, segue com amor o contorno das coisas que vê e delas se apossa. Com emoção, recria as árvores, as palmeiras, as plantas, as vitórias-régias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, nas suas aulas ao ar livre. Com lápis duro – que era de sua preferência – fixava-lhes a imagem no seu grafismo pessoal e inconfundível. Percorria as alamedas à procura de motivos. Nós, os alunos, lhe seguíamos os passos e aproveitávamos a lição."
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 98.
"Para o observador, o desenho, nesse ponto, talvez tenha uma vantagem sobre a pintura. O desenho, quase sempre, deixa à mostra, graças à linha, o caminho de sua construção. Como espectador, olhando para uma linha, posso reconstituir o gesto do artista ao riscá-la. A linha encerra uma narrativa (por menos narrativo que se pretenda o desenho): a linha tem um começo, um desenvolvimento e um epílogo. Na pintura, ainda mais em uma pintura a óleo, com camadas e sobrecamadas emplastadas como aquelas de Iberê, dificilmente se perceberá esse percurso. Acompanhando a linha com o olhar, redesenho a mão e o olhar do artista na construção da paisagem, no tronco da árvore, nas águas de Veneza, nas suas transparências, nos contornos de um corpo. Em uma figura humana, Iberê parece saborear o desenrolar e o sobrepor da própria linha, a mão dança sobre o papel, insiste no rosto, desliza pelo corpo, define a figura de uma forma precisa. Desenhos como esse nos lembram que a linha é o registro de um movimento no tempo – tanto quanto ela é o registro de uma ação no espaço."
VERAS, Eduardo. A linha incontornável: desenhos de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2011. p. 19.