VOLUME, SUPERFÍCIE E INCISÃO
Muito antes de a sua pintura ser invadida pelas cores luminosas que agora a preenchem, antes de optar pela frieza do alumínio como suporte para os grandes painéis compósitos que depois realizou, antes das telas formatadas que agora usa, a pintura de Pedro Calapez encontrou a paisagem como o seu campo de trabalho. Muito cedo a definição de volumes que pareciam paisagens secas, quase lunares, compunha horizontes que correspondiam a uma busca na pintura comum a outros artistas da sua geração, como Pedro Cabrita Reis. No caso de Calapez, o tom terroso e a volumetria descarnada quase definiam uma linhagem que nascia em Dominguez Alvarez e se lançava na necessidade de um regresso da pintura que agitou a década de oitenta.
Na sua pintura, no entanto, espreitavam duas componentes que viriam a multiplicar-se sob várias formulações: o desenho, riscado sobre a superfície pintada (num procedimento que era o oposto da tradição de sobreposição de camadas da pintura) e o volume, o espaço que se definia como campo, uma montanha, uma sala.
Estes componentes traçaram durante muito tempo o desenvolvimento do seu trabalho, nomeadamente quando o espaço se veio a transformar em espaço de instalação das obras, sob o modelo do studiolo e estas convertidas em elementos que compunham em si mesmos uma paisagem – e não a sua representação. O desenho estabeleceria um eixo de definição e seria sempre o contraponto da massa de tinta, da pincelada, como se Calapez vivesse o seu percurso entre a tradição matérica de Renoir e o desenho de Matisse, convertido em incisão, em ferida na superfície.
Por isso, esta pintura e estes desenhos de Pedro Calapez são a memória do início do seu percurso, mas são também o testemunho do como do desenvolvimento futuro do seu trabalho.
Delfim Sardo