O VERDADEIRO MÉTODO DE PINTAR
Joaquim Rodrigo era um homem e um artista muito especial.
Engenheiro silvicultor de profissão, foi um dos responsáveis pela construção do Parque de Monsanto, em Lisboa, e esta faceta, pouco citada, é importante para compreender o sistema da sua pintura pela intensa ligação à natureza de que é tributária.
A sua pintura derivava, então, de um sistema. A cor era codificada, as formas compunham um sistema linguístico. Tudo isto Joaquim Rodrigo expôs no livro O complementarismo em pintura, escrito em 1976 e publicado seis anos mais tarde, onde expõe a sua teoria do “pintar certo”. Partindo de uma visão pessoalíssima da história da humanidade, da arte e da imagem, Rodrigo acreditava que a cor estava vinculada aos quatro tipos de terra fértil que existem. Por isso a pintura só deveria usar as quatro cores que produzem, que mantêm um vínculo profundo à terra – e o seu pensamento, muito próximo dos pré-socráticos, recusava toda a metafísica, porque lhe queria ser anterior.
O sistema da sua pintura era o suporte para a construção de narrativas a partir de figurações, signos que estavam intimamente ligados à sua própria vida, às viagens que tinha efectuado, aos lugares por onde tinha passado. Em sua casa existia um painel na parede da sala onde estavam as provas das passagens por aqueles lugares, contas de restaurante, anotações, memórias. Toda a sua pintura era, portanto, uma mnemónica, seja em sentido estrito, seja, mais profundamente, como um mergulho num passado mais antigo, anterior à estética, anterior à filosofia.
Este sistema e este método – que impunham um enorme rigor no processo de construção de cada pintura – permitiam chegar “sempre” a um resultado “certo”, isto é, a um resultado que confirmava a possibilidade da sua moldura teórica.
Hoje, quando vemos as pinturas de Rodrigo é clara a ligação com a arte chókwè angolana, provavelmente a sua forma de emersão nessa anterioridade que lhe parecia mais verdadeira.
Nem sempre a sua pintura foi assim: nascida de um abstraccionismo próximo de Mondrian, veio a desenvolver uma figuração simples e geometrizada. Mas é a partir da sua descoberta do verdadeiro método de pintar que Joaquim Rodrigo encontrou, na absoluta idiossincrasia do seu procedimento, na limitação radical da sua paleta e na simplicidade da sua gramática, uma expressão exacta para a sua pintura.
Olhando para as suas pinturas até podemos acreditar que tinha encontrado um verdadeiro método para a pintura. Para a sua, certamente que sim.
Delfim Sardo
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