“Shadow and light of Iberê”, Maria lived alongside the artist until his death in 1994. A year later, with friends and businessmen, she helped create the Foundation that works to preserve the artist's memory.
Felicidade Cruz, Eunice, Maria and Ladislau Coussirat (1920)Iberê Camargo Foundation
In the photo on the left: Maria, Ladislau, Felicidade Cruz and Eunice Coussirat. In the photo on the right: The sisters Eunice and Maria (1928)Iberê Camargo Foundation
MARIA CRUZ COUSSIRAT CAMARGO
(Porto Alegre, RS, 1915 – 2014)
Maria Cruz Coussirat nasceu no dia 28 de novembro de 1915, em Porto Alegre, RS.
Filha de Ladislau Coussirat Júnior, conhecido como “Lalau”, e de Felicidade Cruz Coussirat, a “Dona Nena”, teve uma única irmã, Eunice Cruz Coussirat, também sua grande amiga.
Felicidade Cruz Coussirat at the entrance of her residence (1935)Iberê Camargo Foundation
Ao contrário de Iberê, cuja mocidade no interior do Estado havia sido culturalmente limitada, Maria tivera acesso, desde cedo, a um cenário diferenciado.
"A minha mãe gostava muito de pintar. A família da minha mãe, aliás, era totalmente da arte, da música… Todas as mulheres tocavam piano, cantavam. Eram pessoas intelectualizadas, digamos assim."
Lalau e Nena não dispunham de grandes posses, mas investiram na educação das filhas. A formação de Maria foi no Sévigné, instituição católica que atendia à maioria das moças da “boa sociedade” gaúcha. Ali, ela realizou o Curso Complementar, recebendo do Ginásio Estadual Sévigné, em 1935, o diploma que lhe permitia atuar como professora de educação infantil.
Maria estudou Pintura no Instituto de Belas Artes (IBA) da Universidade de Porto Alegre – atual Instituto de Artes da UFRGS –, de 1937 a 1940 e trabalhou, por um curto período, como professora na rede pública.
Iberê, vivendo em Porto Alegre desde 1936, era funcionário da Secretaria de Obras Públicas. À noite, frequentava o Curso Técnico de Arquitetura, oferecido pelo mesmo IBA desde março de 1939. Foi nessa época que se conheceram.
Casaram-se em 8 de novembro de 1939.
Com tela e tintas de Maria, Iberê pintou seu primeiro quadro, junto ao curso d’água que atravessava a Cidade Baixa de Porto Alegre, hoje canalizado como Arroio Dilúvio. O próprio artista o revela, no texto O riacho, escrito em 1993:
"[…] Casas corroídas pelo tempo espelhavam-se em suas águas turvas, que, como os espelhos, refletem, mas, como esses, não guardam imagens. Lembro-me dos salgueiros-chorões que tocavam com seus longos ramos esse espelho baço. Canoas coloridas ancoradas às margens; outras vezes, movimentando-se preguiçosas à força de remos indolentes.
Essa visão instigou jovens estudantes de belas-artes, entre eles, Maria, minha mulher. Foi ali, à margem desse riacho, que pintei meu primeiro quadro e onde começou nosso namoro. Com espessa pasta – a tela e as tintas eram dela – fixei a luz fugitiva dessa manhã de sol sobre aquelas águas lodosas. Árvores desgalhadas, surradas pelo vento, apontam para um céu de cobalto. Plasmei essa imagem: assim começa o pintor."
Após o casamento, vivendo com os sogros e dispondo da compreensão e do envolvimento deles, Iberê transformou a sala de estar da família em espaço de trabalho, tendo a esposa como modelo.
Diante da produção que aumentava, os pais de Maria cederam os fundos da casa, na Rua Lima e Silva, para a construção do primeiro ateliê do artista, erigido com ajuda de Vasco Prado (1914–1998), também colega na Secretaria de Obras Públicas. Foi naquele galpão de madeira que os dois passavam os finais de semana desenhando, pintando e modelando a partir da observação de pessoas que contratavam nas fieiras da “Sopa do Pobre”.
Iberê and Maria Coussirat at the artist's first studio on Lima e Silva Street (1942)Iberê Camargo Foundation
Quando o casal se mudou para o Rio de Janeiro, em 1942, Maria tentou transferência de seu cargo como professora, mas sem sucesso. Suas aptidões em desenho a credenciaram a trabalhar na área de arquitetura e construção civil, fazendo desenhos técnicos e de perspectiva. Passou pela Oliveira Lima e pela Companhia Construtora Pederneiras. Às telas e às tintas, não voltaria mais.
"Como seria para duas pessoas se manterem? Não dava. Isso é uma coisa que envolve muito esforço; é preciso se dedicar só àquilo. E, além de tudo, a gente sente a inconsistência do próprio trabalho. Eu ainda tenho uns trabalhos por aí… Mas, depois da escola, eu nunca mais fiz nada-nada-nada, porque comecei a trabalhar com arquitetura."
Maria passou a administrar o ateliê de Iberê e a vida doméstica. Organizava toda a sua produção e arquivava cartas e anotações, auxiliando na futura construção da memória do artista. Nesse processo, seguiu à risca os conselhos de sua mãe:
"Quando o Iberê começou realmente a se dedicar à pintura, a mamãe me disse: 'Maria, tudo o que o Iberê fizer, tudo, nem que seja um papelzinho assim, pequeno… tu guardas'. Foi o que eu fiz."
Maria Coussirat Camargo (1947)Iberê Camargo Foundation
Durante muitos anos, Maria e Iberê viveram em rígida austeridade financeira. Moravam em pensões, alimentavam-se de modo frugal e se mantinham, substancialmente, graças ao salário dela. A bolsa de estudos recebida por Iberê do Governo do Estado do Rio Grande do Sul custeava, quando muito, a compra de materiais para a pintura.
"Ao chegarmos ao Rio, em uma ocasião, o Iberê estava tão, mas tão abalado… Foi uma coisa horrível. E eu dizia pra ele: 'Nada disso, tu tens que ir pra frente'. […] Ele jamais iria desistir, mas ele poderia ter tido um caminho muito mais difícil, se não tivesse uma pessoa que o auxiliasse."
Maria foi assumindo, cada vez mais, a organização da vida prática do marido. Ela era a responsável pelos contratos, envio de cartas, administração de finanças, importação de tintas, despacho de obras e, claro, guarda da produção artística. Tarefas estruturantes, sem as quais pouco se avança.
Maria, Felicidade Cruz, Eunice Coussirat and Doralice Camargo (1951)Iberê Camargo Foundation
Maria and Iberê in the studio on the Palmeiras street, Botafogo (1963)Iberê Camargo Foundation
When Maria met Iberê, he already had a daughter, Gerci, who was conceived by a youth relationship. In view of the personal, but, above all, professional and economic situation, the couple chose not to have children. "We had no conditions. Financially, you couldn't have it. [...] ‘Who gets married, wants a home’, right? We live in pension for a long time. In 1947, when my father died, I received money with which we bought an apartment in Rio. It was a simple apartment, with a bedroom and living room. Later, we moved. [...] Look: needs, we never went through, but everything was very regulated. Then, in this situation, having a child, how? [...] I am very realistic. I'm down to earth."
Group of friends. Standing, from left to right: Sueli Lentz, Inah Medeiros, Zilah Totta, Nêmora Lubisco Graeff, Hortense da Costa Franco Medeiros, Zilda Caldas and Angela da Costa Franco Jobim. Sitting: Eunice Coussirat, Maria Coussirat Camargo and Felicidade Cruz Coussirat (déc.1970)Iberê Camargo Foundation
Em 1982, quando eles retornam ao Rio Grande do Sul, é Maria, mais uma vez, quem articula tudo, instalando o casal, primeiramente, na Rua Lopo Gonçalves, com o auxílio de Dona Nena e de Eunice. Logo, ela passa a procurar um terreno para a construção do conjunto de casa e ateliê, inaugurado em 1988, no Bairro Nonoai.
O espaço passou a ser frequentado por amigos, artistas, fotógrafos, intelectuais, colecionadores, galeristas e estudantes. Reconhecidos no Rio de Janeiro como excelentes anfitriões, sempre com as portas abertas, Iberê e Maria alimentaram essa reputação também no Sul.
Maria continues to keep everything organized and without extravagance. In its small stature, invariably discreet, elegant and specific, it was a fortress, which only waned with the aggravation and death of a life partner. "In the final period, when Iberê was hospitalized, taken to the emergency room, they put him on a small bed [...], and he was a big man, and then he stayed there, awkwardly, in the middle of that bunch of people, he was searching for me with his eyes, wanting me to stay with him. [...] When we finally managed to get to the room, he looked at me and said: 'Do you forgive me? Say you forgive me'. And I said: 'I have nothing to forgive you, Iberê. You were always a wonderful person'."
Friends, Maria and Iberê on the his's birthday, residence on Alcebíades Antônio dos Santos street (1990)Iberê Camargo Foundation
Solidão, a pintura-testamento de Iberê – que parecia querer expressar o desejo angustiado de seguir pintando e, com isso, vencer a finitude –, foi executada numa madrugada, em meio a intensas dores físicas. Iberê não tinha como dar continuidade ao quadro; foi Maria quem o fez.
Maria at the autograph session of the book "A gravura", by Iberê Camargo, at the Porto Alegre Municipal Culture Center (1992)Iberê Camargo Foundation
With Maria, with the canvas, palette, paints and brushes that were hers, Iberê made his first painting. With Maria, with the strength, the vigil, the resilience and the love that were hers, Iberê concluded his last painting. "Often, when Iberê just finished painting a picture, he used to say to me: 'It's yours'. Because he knew that, being mine, I wouldn't sell. [...] Same thing when he passed away. I soon collected everything I had in galleries: drawing, print gouache, painting ... I made everything come back home."
Maria and Iberê in the studio on Alcebíades Antônio dos Santos street (1994)Iberê Camargo Foundation
Em 1995, ano seguinte após à morte do artista, Dona Maria, como era chamada por todos, doou toda a sua coleção, composta por mais de 4 mil obras e 20 mil documentos, para a constituição do acervo da Fundação Iberê Camargo. É por causa de Maria, em grande medida, que a instituição existe.
Iberê and Maria in the residence on Alcebíades Antônio dos Santos street (1994)Iberê Camargo Foundation
“Sombra e luz de Iberê”, nas palavras de Paulo Herkenhoff, Maria faleceu no dia 25 de fevereiro de 2014, aos 98 anos. No seu velório, realizado no átrio da fundação pela qual ela tanto lutou, lá estava ela: Solidão, síntese e essência.
A profundidade da relação entre o casal pode ser aferida nos textos que dedicaram um ao outro.
Iberê dedica a Maria o poema "Depois", escrito em 1940:
"Quando eu estiver deitado na planície, indiferente às cores e às formas, tu deves te lembrar de mim. Aí, onde a planície ondula, a terra é mais fértil. Abre com a concha da tua mão uma pequenina cova e esconde nela a semente de uma árvore. Eu quero nascer nesta árvore, quero subir com os seus galhos até o beijo da luz. Depois, nos dias abrasados, tu virás procurar a sua sombra, que será fresca para ti. Então no murmúrio das folhas eu te direi o que meu pobre coração de homem não soube dizer."
Maria escreve a Iberê, em 1985:
"Sigo-te passo a passo, quase como a tua sombra. Há mais de quarenta anos, dividimos alegrias e tristezas. Entre nós, tudo foi e é repartido. Teu mundo tornou-se o meu mundo. Teus amigos são meus amigos. Tuas preocupações também são as minhas preocupações. Iberê, temos um só coração, um só modo de sentir o mundo. Nunca te vi esmorecer. Sempre trabalhaste com a paixão dos escolhidos. Não te poupaste para alcançar o absoluto na Arte.
Sinto-me feliz em ser a tua companheira e compartilhar a tua caminhada."
Organized by
Gustavo Possamai
Translated to English by
Henrique Ferrari
From the text Maria Coussirat Camargo e a vigília da memória (Maria Coussirat Camargo and the vigil of memory), written by Paula Ramos for the catalog of the exhibition Iberê Camargo – O Fio de Ariadne (Ariadne’s Thread) in March 2020. All the testimonies of Maria Camargo reproduced come from an interview given to the author, on August 12, 1999.
The paintings produced by Maria Coussirat Camargo are preserved at Iberê Foundation and available at the link.
More about the exhibition Iberê Camargo – O Fio de Ariadne (Ariadne’s Thread) at the link.
Every effort has been made to acknowledge the moral rights and copyright of the images in this edition. The Iberê Foundation welcomes any information concerning authorship, ownership, and/or other data that may be incomplete, and is committed to including them in future updates.
acervo@iberecamargo.org.br
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