As vozes silenciosas das paredes de Coimbra

Frases reivindicativas, políticas, reflexivas e de denúncia que permeiam as paredes da cidade portuguesa patrimônio mundial.

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Coimbra é uma cidade com características particulares. Mantém uma relação permanente de ebulição entre seu passado histórico, político e cultural e seu presente. Foi, no passado, capital do Reino de Portugal, alberga o primeiro Panteão Nacional - o Mosteiro de Santa Cruz -, e possui um rico patrimônio histórico e arquitetónico que lhe valeu o título, em 2013, de Patrimônio Mundial pela UNESCO.

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Esta cidade acolhe a Universidade de Coimbra, instituição com uma história que se confunde com a cidade e que é uma das maiores e mais importantes universidades portuguesas. Com 730 anos comemorados em 2020, esta universidade é também uma das mais antigas da Europa. Um passeio simples pelas ruas estreitas, pátios, escadas e arcos medievais de Coimbra revela como estes elementos permanecem vivos no ambiente urbano da cidade e em diálogo com as questões contemporâneas.

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Para além dos artistas que apresentam as suas obras, e dos tradicionais grupos de alunos a cantar a saudade e a idealização da vida estudantil nos clássicos do fado, existe também uma diversidade de manifestações e reivindicações de carácter político e social. Muitas destas reivindicações vêm das vozes silenciosas das inscrições que marcam a cidade. Os conteúdos introduzidos nesta exposição são compostos por algumas destas inscrições, e o modo como as mesmas “falam através das paredes de Coimbra”.

"Humilhação não é integração" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

A crítica a algumas tradições se choca muitas vezes com o discurso da própria universidade. As tradicionais praxes, assumidas por muitos como forma de inclusão de novos estudantes, são criticadas e denunciadas em várias inscrições como práticas abusivas e humilhantes.

"A polícia não nos protege" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

O forte discurso de combate ao fascismo tem relação histórica com o protagonismo dos movimentos estudantis de Coimbra e sua importante participação no 25 de Abril de 1974. As reivindicações presentes identificam algumas instituições do Estado (como a polícia) como representantes de pensamentos e práticas abusivas.

"La policia no me cuida, me viola" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

As denúncias antifascistas se misturam a reivindicações de grupos feministas. As inscrições são maioritariamente em português, mas também é possível encontrá-las em espanhol, inglês, francês e italiano.

Ativismo antifascista (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Nesta inscrição, a simbologia nazi parece manifestar uma preocupação relativamente ao movimento de grupos organizados de extrema-direita no seio da sociedade portuguesa. Estas críticas, apesar de associadas a contextos locais, são influenciadas por olhares que têm origem no fluxo frequente de estudantes vindos de diversos lugares do mundo.

Entrevista a Rafael Vieira (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Rafael Vieira é arquiteto e pesquisador. Interessado em arte urbana, documenta em uma página no Instagram chamada Coimbra StreetArt as distintas formas de expressão presentes nas paredes da cidade.

"Antimacho antifacho" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Outra inscrição que denuncia o machismo e o fascismo.

"Não é normal ter medo de andar sozinha na rua" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

A reivindicação feminista é também pela segurança. A frase que denuncia o medo de mulheres andando sozinhas pela cidade é uma das mais frequentes.

"Viade e sapatão fazem revolução" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

A crítica ao machismo não aparece apenas nas inscrições de cunho feminista. Há também as palavras de ordem de grupos LGBTQIA+ contra o patriarcado.

"Até quando? Se a fome é a lei, a rebelião é a justiça" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Outro tema frequente é a crítica ao sistema capitalista, identificado como o responsável pelas desigualdades e injustiças sociais.

Quarentena obrigatória ao capitalismo. (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Mesmo antes da pandemia de Covid-19, as paredes de Coimbra já exigiam "quarentena ao capitalismo".

"Escravos que se julgam livres porque têm dinheiro" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Nesta inscrição, lemos que o capitalismo é responsável pelo consumismo e pela exaltação do "ter" em detrimento do "ser".

"Vamos nos desassimilar" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Os processos de assimilação e adaptação à cultura local europeia por parte dos imigrantes vindos, principalmente, das ex-colônias africanas, é também motivo das críticas e reivindicações. Nessa imagem vemos também o processo de palimpsesto, mencionado no vídeo por Rafael Vieira.

"Para não se assimilar, é melhor a 2ª pessoa não conjugar (tu sabe disso)" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

A crítica aos processos de assimilação é dotada de ironia. A inscrição faz menção à forma gramatical do português falado em grande parte do Brasil, que suprime o verbo em 2ª pessoa, substituindo-o pela flexão em terceira pessoa, mesmo quando utilizado com o pronome “tu”. Mais uma vez, o processo de palimpsesto é também evidente.

"Abaixo os monarcas" (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

A inscrição, na base da estátua do rei Dinis I de Portugal (1261-1325), é uma crítica ao imperialismo e às suas consequências, ainda hoje visíveis em muitas sociedades europeias.

"Don't be racist, you are the first 'colonisator' " (21th Century), de Bruno DiasMuseu Virtual da Lusofonia

Nesta inscrição, a crítica ao processo de colonização, que estabeleceu o racismo como forma de dominação, pretende recordar que Portugal foi um dos seus pioneiros.

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Percorrendo alguns dos locais que compõem o núcleo patrimonial de Coimbra, evidencia-se o conflito entre o histórico patrimonial da cidade e as inscrições com demandas contemporâneas, como as mostradas nesta exposição.

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Subindo a Escadaria Monumental, encontramos a Praça Dom Dinis e o Colégio São Jerónimo. Mais adiante, a Faculdade de Medicina e o Largo da Porta Férrea, onde se encontram a Biblioteca Geral e a Faculdade de Letras.

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A Porta Férrea dá acesso ao Pátio das Escolas, o " coração" da instituição, onde está situada a Reitoria, a Faculdade de Direito e a Biblioteca Joanina.

Créditos: história

Fotografia: Bruno Dias e Rafael Vieira

Curadoria: Bruno Dias

Referências

- Drucker, J. (2006). Graphical readings and the visual aesthetics of textuality. Text, 16, 267-276.

- Estanque, E. Jovens, estudantes e 'repúblicos': culturas estudantis e crise do associativismo em Coimbra. Revista Crítica de Ciências Sociais, 9-41, 2008.

- Ferreira, M. C. (2017) Espaços Híbridos: narrativa política (digital) na cidade de Coimbra. Trabalho apresentado em cumprimento da disciplina Materialidades da Literatura II, ministrada pelo Professor Doutor Manuel Portela em junho de 2017

- Fortuna, C. [et al] (2012). A cidade e o turismo : dinâmicas e desafios do turismo urbano em Coimbra. Coimbra: Almedina.

- Lefebvre, H. (2000). Writings on Cities. Oxford: Blackwell Publishers.

- Lefebvre, H. (2013). Prefácio: a produção do espaço. estudos avançados, 27(79), 123-132.

- Volli, U. (2014). Para una semiótica de la ciudad. Criterios, La Habana, (61).

Créditos: todas as mídias
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