O conjunto de pintura que o Museu do Caramulo conserva sob a designação genérica de “pintura antiga” é, como as outras colecções deste museu, bastante dispersa. As contingências e circunstâncias em que a colecção foi reunida, no espaço de tempo extraordinário de apenas quatro anos (1953-1957), numa urgência, diga-se, quase fatalista, determinaram os vectores da escolha. Em Portugal, entre esses anos, mantinham-se ainda os parâmetros qualificativos que separavam hierarquicamente as artes em duas categorias: maiores e menores. Dentro das primeiras, a pintura ocupava papel de destaque. Ainda dentro da categoria da pintura antiga, alguns períodos eram preferidos em relação a outros.
St. Jerome (1525) de Frei Carlos (attrib.)Museu do Caramulo
Por outro acaso, talvez exista nesta colecção um grupo de pinturas todas executadas em torno do ano de 1525. Contam-se neste número um São Jerónimo pintado por Frei Carlos, um São João Baptista de Vasco Fernandes (o famoso Grão Vasco), e dois outros pintores que trabalharam em Bruges e Antuérpia, cidades do norte da Europa com que os portugueses mantiveram estreitas relações na época dos Descobrimentos.
St. John the Baptist (1525) de Vasco Fernandes "Grão Vasco"Museu do Caramulo
Saint Bernardino of Siena (1511/1520) de Quentin MetsysMuseu do Caramulo
Trata-se de Quentin Metsys, de quem o Museu do Caramulo guarda um belíssimo retrato de São Bernardino de Siena.
Pietà and Deposition of Christ in the Tomb (1540) de Fernão GarciaMuseu do Caramulo
Finalmente, de data mais tardia, pode incluir-se no grupo dos chamados “primitivos portugueses” a Deposição de Cristo no Túmulo , classificada em 1957 como da mão de Garcia Fernandes, mas que agora se conclui ser de Fernão Garcia.
Investiture of St. Ildephonsus (Século XVI) de 16th-century Castilian workshop of Juan de BorgoñaMuseu do Caramulo
Fogem a este arrumo três tábuas pintadas cuja origem parece estar próxima das oficinas de pintura espanholas. Duas delas formam um par; pelas dimensões, corte semelhante - em meio círculo nas extremidades superiores - e identidade pictórica. A Investidura de Santo Ildefonso e o Martírio de São Sebastião foram aproximados do estilo de João de Borgonha, mas ao nível dos ornatos arquitectónicos mostram já “citações” de um gosto “ao antigo”.
Martyrdom of St. Sebastian (Século XVI) de 16th-century Castilian workshop of Juan de BorgoñaMuseu do Caramulo
St. Ursula (século XVI) de Castilian workshopMuseu do Caramulo
A terceira tábua, mutilada e diminuída das suas dimensões originais, cuja pintura representa Santa Ursula , está classificada como castelhana, mas nos seus traços nota-se uma nítida influência flamenga.
Nativity (Data desconhecida) de Rafael RomeroMuseu do Caramulo
Existem ainda pinturas que pelo conhecimento que se tem hoje, se encontram fora dos parâmetros cronológicos determintas dos “primitivos” - 1450-1550, mas que se julgavam, no tempo da formação da colecção do Caramulo, ainda incluíveis dentro dessa baliza cronológica. Todas as obras pintadas sobre tábua, de boa qualidade técnica na execução e com “sabor antigo” eram classificados como tal. Estavam ainda por difundir os trabalhos de investigação de Martin Soria ou de Adriano de Gusmão que separariam a produção pictórica da segunda metade do século XVI da pintura dos “primitivos portugueses”.
Baptismo of Christ (1550) de Diogo de ContreirasMuseu do Caramulo
Mais longe estavam ainda os avanços científicos que deram investigadores como Vítor Serrão e Joaquim Caetano que poderam apontar com rigor nomes para determinados pintores lendários, que só os memorialistas registavam. Talvez por este desconhecimento se tenha incluído na colecção quadros como o Baptismo de Cristo de Diogo de Contreiras ou a “moralesca” Virgem com o Menino.
Virgin and Child (1515/1520) de Luis MoralesMuseu do Caramulo
Portrait of a magistrate displaying the Cross of Christ (1731) de Henry PickeringMuseu do Caramulo
Outro dos períodos eleito pela historiografia da arte do Estado Novo, como maior, foi o da Restauração. É, no entanto, pobre o grupo de pinturas desse tempo na colecção do Caramulo. Não existem os potentes e fantasmagóricos retratos de corpo inteiro que as grandes famílias da Restauração portuguesa mandaram pintar por ocasião do restabelecimento dos seu privilégios. Em vez disso, apenas um retrato de meio corpo de um façanhudo Magistrado que ostenta com orgulho a Cruz da Ordem de Cristo, mas foi pintado por artista inglês que o firmou com o seu nome Henry Pickering, já de 1731.
St. John the Baptist (Data desconhecida) de Avelar Rebelo (attrib.)Museu do Caramulo
Um São João Baptista, de idade púbere - envolto em mando de um vermelho vivo que contrasta com o verde sombrio da paisagem onde o Santo se encontra sentado apanhando, numa vieira, água de uma fonte - tem efeitos lumínicos caros à pintura barroca que teve entre nós como um dos maiores cultores Avelar Rebelo, pintor de D. João IV.
Marie de Médicis (1610) de Frans Pourbus "The Younger"Museu do Caramulo
De um gosto barroco internacional são duas outras pinturas da colecção da Fundação Abel de Lacerda. O hierárquico Retrato de Maria de Médicis, e aquela que é uma das melhores obras de pintura antiga da colecção, uma tela assinada por Jacob Jordaens, datada de 1638, que representa Vestumno e Pomona.
Vertumnus and Pomona (1638) de Jacob JordaensMuseu do Caramulo
Holy Face (século XVII) de UnknownMuseu do Caramulo
Perante a grandiosidade barroca desta tela quase fica esquecida a estranha pintura de uma Santa Face, sobre couro, e por isso atribuída às oficinas de Córdova.
Jacob's Dream (1648/1649) de After Domenico FettiMuseu do Caramulo
Não estaria completo o panorama dos períodos favoritos da crítica de arte antiga de meados do século XX se não se incluísse a arte produzida sob o domínio do “glorioso rei Magnânimo”. À falta de pintura de cavalete que pudesse ser incluída na colecção recorreu-se aos desenhos. Duas obras de Francisco Vieira Lusitano - pintor português do reinado de D. João V que ombreou com os melhores pintores romanos da sua época - fazem parte da colecção do Caramulo.
The Holy Trinity with allegory (Data desconhecida) de Francisco Vieira LusitanoMuseu do Caramulo
Um desses desenhos, como obra acabada, é executado a sanguínea, ostenta a assinatura do artista onde figura a cruz da Ordem de São Tiago, e representa A Trindade com uma complicada alegoria às ordens religiosas. Foi, por uma leitura prosaica desta alegoria que os especialistas de meados do século XX designaram o desenho pelo provérbio “quem dá aos pobres empresta a Deus”.
Louis XIV (1º quartel do século XVIII) de After Hyacinthe RigaudMuseu do Caramulo
Para preencher a lacuna da colecção no que respeita à arte do século XVIII recorreu-se ao horizonte cultural francês que vinha, desde há muito, impondo as suas regras ao nível do gosto nacional. Faz parte desse gosto estrangeirado, ditado pela pompa mundana francesa, um aparatoso Retrato de Luís XIV.
Esther faints before Ahasuerus (1785) de Luis Paret y AlcázarMuseu do Caramulo
Já no campo da estética Rocóco encontramos o quadro de Luis Paret Y Alcázar, representando Ester desfalecendo perante Assuero que, embora de origem espanhola, se integra no mais puro gosto cortesão do rocaille à francesa.
Landscape (Data desconhecida) de Jean PillementMuseu do Caramulo
Por estranho que possa parecer, os especialistas, na pintura de Paret, acham crucial a sua passagem por Lisboa para apreensão do gosto francês. Julga-se que o contacto com a pintura de Pillement, que por cá estadiava, tudo mudou na sua pintura. Deste último pintor tem o Museu do Caramulo no seu acervo uma Paisagem, recentemente doada.
Nude (Data desconhecida) de Domenico PelligriniMuseu do Caramulo
Domenico Pellegrini também por cá passou entre os anos de 1803 e 1810 deixando inúmeros retratos das mais ilustres famílias portuguesas. Na sua laboriosa carreira fez vários estudos académicos de que o Nu (cat. 257) da colecção do Caramulo é exemplo. Pellegrini sai de Portugal envolto em suspeitas por parte da Coroa. Esta atitude deve-se com certeza ao facto do pintor acalentar ideias liberais.
Invocation (1812/1814) de Domingos António de SequeiraMuseu do Caramulo
As posições românticas que se tomaram em torno das convulsões da guerra civil que opôs miguelistas a liberais, como as novas ideias chegadas de além Pirinéus, são outro marco que apaixonou os estudiosos do meio do século XX. A figura controversa de Domingos António Sequeira foi eleita como a mais perfeita imagem desse período. A sua expressão artística, de laivos pré-românticos e marcada atitude individualista, granjeou apoiantes mesmo nas facções mais nacionalistas. Este artista não podia deixar de estar representado na colecção deste museu. São três as obras de Sequeira que se guardam no Caramulo: dois desenhos e uma tela pintada. Esta última é com certeza a mais importante. Trata-se de um Ex-voto pintado pelo artista num momento dramático da sua vida onde a auto-representação faz parte de um quadro de exteriorização dos traumas mais profundos do criador.
Study for the "Descent from the Cross" (1827) de Domingos António de SequeiraMuseu do Caramulo
Um dos desenhos é um modello, ou esboceto, onde Sequeira lança sobre o papel as primeiras impressões daquilo que viria a ser a Descida da Cruz da conhecida série de pinturas que executou para os Palmela.
Portrait of Dom Manuel de Serpa Machado (1821) de Domingos António de SequeiraMuseu do Caramulo
O outro é o Retrato de Manuel de Serpa Machado. Trata-se de um desenho acabado que podemos incluir na galeria de retratos dos deputados da Assembleia Constituinte.
George Gordon Noel Byron (Lord Byron?) (1810) de John Watson Gordon (attrib.)Museu do Caramulo
O desejo de ter um núcleo marcado pela presença de figuras românticas e especialmente da sua asserção literária, aceitou facilmente a identificação de um retrato de jovem com a figura de Lord Byron.
Portrait of Francisco António da Silva Mendes da Fonseca (1800/1807) de José de Almeida Furtado "O Gata"Museu do Caramulo
No entanto, uma figura masculina que agora se identifica com Francisco António da Silva Mendes da Fonseca é na verdade a imagem mais eloquente da nova geração do romantismo português.
Portrait of a lady de Vicente López PortañaMuseu do Caramulo
De outro panorama e fora do contexto nacional, é um Retrato de Senhora assinado e datado, no canto inferior esquerdo, pelo espanhol Vicente Lopez Portaña em 1834.
Descent from the Cross (Data desconhecida) de Maurício José do Carmo SendimMuseu do Caramulo
Também fora desta classificação, pelo seu conservadorismo de modelos e proposta pictórica, deve-se colocar a Descida da Cruz de Maurício José do Carmo Sendim.
Study for "History" (1893) de António Teixeira LopesMuseu do Caramulo
Noutro universo artístico inclui-se o Estudo para “A História” de Teixeira Lopes que, no entanto, pelas características algo académicas do desenho, poderá fazer a ponte entre a arte antiga e a contemporaneidade.
Young Japanese Man (1620) de UnknownMuseu do Caramulo
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