"... escrevo como homem afrodescendente, plenamente consciente do meu direito de falar em meu nome e no de muitos homens e mulheres negras que identificam na obra de Portinari um valor criativo extraordinário na representação dignificante de algumas das muitas dimensões da experiência negra brasileira. Em tempos como os atuais em que a luta por igualdade e justiça tem características distintas e, em muitos sentidos, mais complexas do que há setenta anos, enxergo em Portinari uma inspiração e uma ode à busca permanente por um mundo que respeite as múltiplas identidades humanas e que tenha a dignidade em alta conta." Silvio José Albuquerque e Silva, Diplomata Brasileiro, Membro do Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial. Mestre em Política Internacional pela Universidade Livre de Bruxelas.
Mãe Preta (1939), de Candido PortinariProjeto Portinari
No Dia da Consciência Negra, dedico esta apresentação a todos os excluídos, injustiçados, desfavorecidos, e discriminados, especialmente aos negros do Brasil e de todo o mundo, retratados em sua dignidade e pujança por Portinari durante toda a sua vida.
Nas mais de 5.400 obras e 30 mil documentos, oferecidos aqui graças à parceria do Google Arts and Culture com o Projeto Portinari, podemos contemplar como este pintor dedicou-se, durante toda a sua vida, tanto em sua obra pictórica quanto na sua militância cidadã e política, à causa da Consciência Negra.
Neste projeto nos dedicaremos a demonstrar esta afirmação.
Correspondencia de Florence Horn (1940-07-25), de Florece HornProjeto Portinari
Florence Horn, jornalista da revista FORTUNE (do grupo TIME&LIFE) foi uma das principais responsáveis pelo sucesso de Portinari nos EUA, tornando-se sua amiga, vindo inclusive conhecer a sua família em Brodowski.
"... Mais uma coisa, sobre a qual espero que você seja muito franco. Eu gostaria de poder dizer --- porque explica muitas de suas pinturas --- que os brasileiros não gostam que o mundo saiba que sua população é formada por um grande número de mulatos e negros. De tempos em tempos, e por vários meios, se opuseram a Portinari porque ele "pinta negros". Portinari insiste em pintar os brasileiros como eles são, apesar de toda a oposição, oficial e não oficial. [Nota do tradutor: sua tela "Café"foi proibida de ir para uma exposição no exterior por retratar negros]. Portinari acredita que a composição racial de Brasil não é nada que possa causar vergonha, na verdade é algo para se orgulhar. O tratamento dado aos negros no interior do país (embora os brasileiros se envergonhem disso perante os estrangeiros) é de longe mais justo do que é nos EUA. Estou certa de que você não quereria que eu contasse tudo sobre a Feria de São Francisco, o Riverside Museum, etc. Ou você se importaria? Não quero fazer nada que possa magoar você ..."
Em abril de 1940, é inaugurada exposição de Portinari na Galeria de Arte da Universidade de Howard, em Washington, D.C. Integrando uma universidade de negros, esta galeria interessa-se pela posição firme de Portinari com relação à questão racial, como amplamente demonstrado em sua obra.
Em 22 de novembro do ano anterior, ao negociar com Portinari a exposição, Alonzo J. Aden, diretor da galeria, escrevera a Portinari:
[...] tenho certeza, já que estou a par de seus sentimentos profundos e de seu interesse por assuntos ligados à negritude, que esta mostra será deveras proveitosa tanto para nossos estudantes quanto para os amigos da cidade. [...] Gostaria de expressar mais uma vez nossa gratidão pelo interesse incomum que o senhor demonstrou pela Galeria de Arte da Universidade de Howard …
CorrespondênciaProjeto Portinari
CorrespondênciaProjeto Portinari
CorrespondênciaProjeto Portinari
Adivinhe quem foi o primeiro visitante, no vernissage desta Mostra?
Sra. Eleanor Roosevelt na Exposição Portinari (1944-10)Projeto Portinari
A Primeira-Dama dos EUA, Eleanor Roosevelt, esposa do Presidente Roosevelt!
Clarinetista (1959), de Candido PortinariProjeto Portinari
Grandezas e misérias do Brasil, sua sensibilidade, suas tragédias _secretas, a contra-revolta obscura das suas classes desafortunadas, o frenesi dos sambas, dos batuques, o desengonço do frevo, a melancolia, sem azedume, dos negros e dos mulatos, que a escravidão policiou, o cavalo-marinho e o africano, o enterro dos simples e dos humildes, o tocador de flauta e o malandro dos morros, em toda essa comédia humana a paleta de Portinari deita cores imortais. Seu estilo não tem sombra de artifício. Fatigados de tanto academismo, de tanta arte de repetição e de decadência, os brasileiros se volvem para a interpretação mágica desse operário
da arte nacional autêntica, que é Portinari. [...] Aqui ele está solto. Não teve governo, Capanema, admoestações estatais, nada, para o sufocar ou estrangular. Ficou por conta do demônio interior que o possui, e compôs estas _fábulas que sobem pelas paredes acima como labaredas de fogo do gênio infernal que o devora. Portinari é o maior e mais fantástico pintor de negros que ainda viu a espécie humana. Ele sente a África com sua magia, os seus mistérios, a sua volúpia, como nenhum outro _artista do pincel. É preciso ser florentino de sangue e de centelha _como ele é, para produzir estas maravilhas murais que aí estão. O _gênio puro e universal de Florença enterrou olhos, alma, coração nas raízes negras e amarelas do povo brasileiro, e veio, da Baixa do Sapateiro [favela na cidade de Salvador], do morro do Querosene _[favela na cidade do Rio de Janeiro], do bas-fond das duas cidades com esses diamantes negros que sacudiu a mancheias por ali além. Mas não são só o negro e o mulato que ele viu. Viu também o jangadeiro e viu o gaúcho, isto é, viu o Norte e o Sul do Brasil, na serena unidade dos materiais que lhe alimentam a força com as suas peculiaridades e o seu rutilante colorido humano.
(1942, inauguração da Série "Os Músicos", de Portinari)
Assis Chateaubriand, um dos mais importantes jornalistas da época.
Grupo de Mulheres e Criança (1936), de Candido PortinariProjeto Portinari
Annateresa Fabris, professora de História da Arte da Universidade de São Paulo.
Café (1935), de Candido PortinariProjeto Portinari
45 anos depois...
Em 1980, Eduardo Coutinho dirigiu um Globo Repórter especial sobre Portinari. O repórter Raul Silvestre localizou o modelo que posou para algumas obras celebres de Portinari, como o Café, o Mestiço, e o Lavrador da Enxada.
Com Portinari, as artes plásticas do Brasil e do mundo perdem uma de suas expressões mais vigorosas. Poucos até hoje o terão excedido na força do seu genio criador. Revolucionário, rasgou novas e amplas perspectivas nos horizontes da pintura. Retratou como ninguém, a angústia, a revolta e o sofrimento dos oprimidos e espoliados, fazendo de sua arte um dos instrumentos de emancipação social do nosso povo. Ele elevou a cultura do Brasil e a perpetuou na admiração de todo o mundo. O nosso povo está de luto. Perdeu um dos seus mais altos expoentes.
Tancredo Neves (Primeiro Ministro do Brasil) Tribuna da Imprensa 08.02.1962
Guerra e Paz na ONU:
Portinari e os desafios do século 21
Seria pertinente lembrar, nesse contexto, o pensamento de outro magnífico brasileiro, Celso Furtado:
“… O desafio colocado no albor do século 21 é nada menos que a mudança do curso da civilização, para mudar seu eixo da lógica dos meios de acumulação temporária para a lógica dos fins, a serviço do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos …”.
… Nessa época de crises globais econômicas, de migrações famintas, desesperadas, de inteiras populações desamparadas, enfrentando mesmo a morte de crianças, mulheres, idosos, essas palavras ganham o terrível sentido dos painéis de Portinari, realidade e esperança qu“e somente a arte pode emocionalmente expressar …"
(Sérgio Mascarenhas e Isaac Roitman, ambos Membros Titulares da Academia Brasileira de Ciências)
Flautista (1934), de Candido PortinariProjeto Portinari
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