Do Instituto Gilberto Gil
Entrevista: Chris Fuscaldo, jornalista e pesquisadora musical
Carlinhos Brown conheceu Gilberto Gil através da mãe (Agosto de 2020)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown herdou da mãe a admiração por Gilberto Gil
Quais são suas memórias dos primeiros contatos com Gilberto Gil?
Gilberto Gil e Carlinhos Brown durante show não identificado.Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Minha mãe me apresentou Gil. Eu o conheci pessoalmente por interesse de um percussionista ao qual ele deu espaço, deu luz para que brilhasse na frente. Em seguida, ele veio participar dos movimentos que eu estava desenvolvendo dentro do meu bairro.
Gilberto Gil, Carlinhos Brown, Caetano Veloso e Ivete Sangalo na gravação do programa Som Brasil (1998)Instituto Gilberto Gil
Depois, Gil me chamou pra fazer a trilha de um balé daquela grande coreógrafa senegalesa (Germaine Acogny, autora do espetáculo Z, de 1995, com trilha assinada por Gilberto Gil, em colaboração com Carlinhos Brown e Rodolfo Stroeter).
Gilberto Gil e Carlinhos Brown em show no trio elétrico e no desfile do afoxé Filhos de Gandhy (Fevereiro de 1996)Instituto Gilberto Gil
Ele aceitou uma das propostas mais ousadas que eu fiz, para que ele adentrasse no Carnaval (Gil sai pela primeira vez puxando o Trio Expresso em 1998). O mesmo eu falei com Caetano, que não topou, mas Gil topou, num movimento que fortaleceu.
Gil foi uma figura importante na sua infância?
Carlinhos Brown em show da turnê Eu, Tu, Eles, de Gilberto Gil (2000)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Eu não era músico, mas gostava de música. E minha mãe – vinda do segmento pentecostal – disse: “Ah, você gosta de bater”. Não era ser percussionista, não... Falava-se “bater”. E ela disse: “Seu avô não vai gostar muito disso, porque bater está ligado ao Candomblé".
Gilberto Gil e Carlinhos Brown em apresentação no Hollywood Rock (1996-01-28)Instituto Gilberto Gil
Ela continuou: "Eu conheço um menino que bate. Além de ser lindo, mora perto da Igreja do Boqueirão”. Minha mãe o viu uma vez, e depois que o viu na televisão, deixou fincado que, verdadeiramente, aquele artista não era só uma surpresa para ela, era um ídolo que nascia.
Gilberto Gil divide o palco com o artista brasileiro Carlinhos Brown e Herbert Vianna, vocalista da banda brasileira Os Paralamas do Sucesso, em seu show no Olympia (Junho de 1998)Instituto Gilberto Gil
Porque diferenciava-se do que ela estava acostumada, dentro da postura religiosa. E, principalmente, o que a interessava é que Gil era um preto diferente. Era um preto aprofundado. Ou seja, alguém que teve mais tempo de conhecer os estudos acadêmicos.
Gilberto Gil e os músicos Caetano Veloso e Carlinhos Brown em show comemorativo dos 469 anos de Guadalajara, cidade mexicana (2011-02-10)Instituto Gilberto Gil
E essa inteligência e oralidade chamavam a atenção da minha mãe. Então ela queria que, se eu gostasse de bater, que aprendesse aquele caminho.
Além da postura de Gil, sua música impressionava sua mãe?
Ministro da Cultura Gilberto Gil em solenidade de apresentação do projeto de restauração do Solar Araújo Pinho (2006-08-24)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Eu fui crescendo, e sou de uma família de sub-serviços. Minha vó era lavadeira, minha mãe era lavadeira, e o meu bairro, Candeal, com o matriarcado, era um lugar do qual os bairros nobres requisitavam os serviços de lavanderia. Eram vistas como as melhores lavadeiras da cidade.
Ministro da Cultura Gilberto Gil em solenidade de apresentação do projeto de restauração do Solar Araújo Pinho (2006-08-24)Instituto Gilberto Gil
Esse matriarcado estava pautado a uma atenção cultural, e também a quem dava atenção a elas. Então, Gil, que conhecia o mundo, não fugia das suas origens. Ele cantava o samba-de-roda, e compunha não apenas dentro daquele encaminhamento cultural, mas ele trazia novidades.
Gilberto Gil e Caetano Veloso no show Tropicália Duo (1994)Instituto Gilberto Gil
Isso encantava minha mãe. E é claro que um filho bem guiado, eu sabia como admirar e saber o que minha mãe estava dizendo. Em algum momento, eu fui surpreendido pelo parceiro dele, que foi Caetano.
Foi conhecer Caetano que o levou até Gil, tanto conceitualmente quanto na materialidade?
O cantor e compositor Caetano Veloso durante apresentação no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, mesma ocasião em que Gilberto Gil se apresentou com a música Domingo No Parque (Outubro de 1967)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Quando ouvi Alegria, Alegria, aquilo foi um choque pra mim! E aí, eu cheguei em casa e falei: "Minha mãe, tem um negócio que eu fiquei louco! Eu vi uma música, eu quero aquilo!"
Gilberto Gil e a banda Os Mutantes à época do movimento tropicalista (1968)Instituto Gilberto Gil
E o que deu um parecer mais lógico a todo esse desejo, foi quando a parteira do bairro resolveu fazer uma casa perto da gente. E o marido dela, seu Joel, fazia consertos de TVs, que estavam chegando ainda por ali. Eu nem sabia o que era, mas aquilo me chamava atenção.
Gilberto Gil e o conjunto Os Mutantes durante apresentação no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record (Outubro de 1967)Instituto Gilberto Gil
Vendo pela TV, eu comecei a confundir Jair Rodrigues com Gilberto Gil e Simonal com Jair Rodrigues. Até que Gil fez Domingo no Parque. Eu o vi no Festival e disse: 'Poxa! Minha mãe me fala muito desse artista, seu Joel!'
Como você vê Caetano e Gil?
Gilberto Gil e o cantor e compositor Caetano Veloso à época do movimento tropicalista (1968)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Eu cresci com essa certeza de que Gil era um negro a se inspirar. De que ele era diferente. Melhor de tudo: de que Gil é diferente de Caetano – e, ao mesmo tempo, parecem mabaços, né? Gêmeos. Porque eles são os Ibejis, são irmãos... Um Cosme e Damião. Eles nasceram para isso.
Gilberto Gil e Caetano Veloso no show Tropicália Duo (1994)Instituto Gilberto Gil
Complementares. Porque, de um certo modo, pra eles enfrentarem toda essa sócio-educação, e tudo o que eles juntos permitiram, eles sabem que precisavam de polaridades, pensamentos e discussões. Por exemplo, eu compus com Gil pra esse balé do Senegal.
Gilberto Gil e Caetano Veloso em fotos para o álbum Tropicália 2 (1993)Instituto Gilberto Gil
Eu não tenho nada escrito com Caetano, mas foi Caetano quem me gravou. Ele gravou Meia-lua Inteira, porque no dia que eu cheguei lá e cantei essa música, ele chorou. Foi uma coisa que mexeu muito comigo.
Gilberto Gil e o cantor Caetano Veloso nos bastidores do evento Oi Noites Cariocas (2006-01-07)Instituto Gilberto Gil
A única coisa que talvez eu nunca disse foi que esse toque capoeirístico de Meia-lua Inteira, a melódica modal é nordestina, mas, sem Gil, eu não o faria. De certa forma, quando Caetano gravou Meia-lua Inteira, ele gravou Gilberto Gil.
Gilberto Gil e Caetano Veloso na gravação do programa Amigos, Sons e Palavras, exibido pelo Canal Brasil, da Globosat (2018-04-18)Instituto Gilberto Gil
Eu apenas assinava embaixo. Por isso ele chorou. E ele disse: “Você tá contando a minha história”. E eu me perguntava como. Que bom que estou tendo tempo de dar essa reverência. Os dois, Gil e Caetano, nunca me fizeram desistir de ser Bahia.
E como você se relacionou com eles no início da sua carreira artística?
Carlinhos Brown:
Quando chega em 1986, mais ou menos, eu já tinha integrado a Banda Acordes Verdes e tinha passado pelo grupo de rock que era Marrevolto – que antecede a Acorde Verdes, que também era apaixonada por Gil, e gravamos uma música dele chamada É. Então, eu já estava impregnado por aquilo.
Gilberto Gil e os músicos Caetano Veloso e Carlinhos Brown em show comemorativo dos 469 anos de Guadalajara, cidade mexicana (2011-02-10)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
A gente passava som de trio elétrico na porta de Dedé e Caetano, em Ondina. E Caetano me viu tocando no trio e perguntou a Paulinho Camafeu – que era percussionista de Gil também –, quem era esse menino, que pula e toca desse jeito.
Caetano Veloso em show da turnê Tropicália 2 (1993)Instituto Gilberto Gil
Aí, Paulinho disse: "Ele é compositor também!" Então, Caetano me chama, através de Paulinho, e diz: "Eu quero que ele venha tocar comigo, vou começar uma turnê, de um disco extremamente autoral". Eu fui, e me lembro que Gil foi ver esse show. E ficou curioso.
Qual foi o álbum de Gil que mais o marcou?
Carlinhos Brown:
Quando ele fez (Um) Banda Um (1982), ali estava o meu sonho de balanço, o pós-Jorge Ben. Depois de Gil, eu me apaixonei por Jorge Ben. E sabia que eram amigos. Mas Gil passou a ser uma referência de gosto. Um selo de qualidade. Gil e Caetano.
E tinha uma coisa de que Gil e Caetano juntavam o preto e o branco.Gostei mais ainda. E isso passou a ser balizado como valor social. De uma sociedade que poderia se aproximar e que a música daqueles dois caras conduzia pra isso. Tempos depois fui ao show, querendo conhecer Gil.
E como você finalmente conheceu Gilberto Gil?
Gilberto Gil em show da turnê O Eterno Deus Mu Dança (1990)Instituto Gilberto Gil
Uma vez, Gil foi fazer um show que o Acordes Verdes abria, no Teatro Castro Alves (em 1988). E eu disse: "Hoje eu aperto a mão desse ídolo!" Essa foi a primeira vez que eu entrei no Teatro Castro Alves. Foi um dia que eu chorei de tanta emoção.
Livreto do Show Gilberto Gil em Sinfonia Coral no teatro Castro Alves, produzido pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia de Música Livreto do Show Gilberto Gil em Sinfonia Coral no teatro Castro Alves, produzido pela Escola de Música da Universidade Federal da Bahia de Música (12/1/1994)Instituto Gilberto Gil
Porque já tinha vendido picolé na porta do teatro, já tinha feito miséria, e nunca entrava: ali era da elite baiana. Era como chegar no Olimpo, no Oscar, entrar no Castro Alves pra mim. Eu fiquei todo emocionado.
Gilberto Gil em show da turnê O Eterno Deus Mu Dança (1990)Instituto Gilberto Gil
Quando cheguei no teatro, foi um dia histórico na minha vida, foi um dia até que Antônio Carlos Magalhães (Ministro da Comunicação, à época) veio. E foi aí que eu conheci a personalidade de Gil. O poeta Ildásio Tavares puxou Gil e disse: "Esse cara fez o Canto pro Mar".
Gilberto Gil em show da turnê O Eterno Deus Mu Dança (1990)Instituto Gilberto Gil
"Agora, vê se cabe, Gil? Ele canta: ‘Eu canto pra ela, porque amo ela’ Isso tá errado!" Aí, Gil virou pra ele e disse: "Tá errado seu cu!" (risos). Mandou na lata! E o cara é um grande poeta... Eu disse: “Poxa! Esse cara, Gil, é meu pai! Olha como ele me defendeu!"
Gilberto Gil em show da turnê O Eterno Deus Mu Dança (1990)Instituto Gilberto Gil
Aí, ele deu aula! Ele disse: "Você é um intelectual! Não sabe o que é cacofonia? Isso é um neologismo!" E começou a falar coisas que eu nunca havia escutado! E ele falava pra Ildásio, não se dirigia pra mim, e eu só olhando assim, besta. E isso acabou gerando um interesse nele.
Gilberto Gil em participação no show da Timbalada (1990)Instituto Gilberto Gil
Ele foi para o Candeal, o Gil. E ele viu o Vai Quem Vem, uma espécie de pré-Timbalada. E, a partir disso, ele começou a apoiar o Vai Quem Vem. E aí ele perguntava: "O Vai Quem Vem vai pra onde?" Uma Kombi velha!
O músico Carlinhos Brown em apresentação no carnaval da Bahia, durante passagem pelo Camarote Expresso 2222, de Gilberto Gil e sua esposa e empresária, Flora Gil (Fevereiro de 2020)Instituto Gilberto Gil
Praticamente inauguramos o cortejo Barra-Ondina, porque ainda não tinha Daniela Mercury, ainda não tinha ninguém! Só tinha o Habeas Copus! E o lugar que tinha espaço e que não era extremamente lotado para apresentar qualquer novidade era ali.
Foi nessa época que você gravou com Sérgio Mendes?
Carlinhos Brown:
Gil percebeu, depois Sérgio Mendes percebeu, e chamou para gravar um álbum, o Brasileiro. Por incrível que pareça, nós fizemos um álbum, nós estávamos falando de hip hop, muito mais por causa de Jair Rodrigues do que da música americana. E quer saber o que aconteceu?
Divulgação de show de Gilberto Gil no Umbria Jazz Festival, quando se apresentou na mesma noite que Sérgio Mendes (2013-07-14)Instituto Gilberto Gil
O Vai Quem Vem foi tocar com Sérgio Mendes e terminou levando o primeiro Grammy de hip hop do mundo! Na frente dos americanos! Eles não deram a Tupac e não deram a MC Hammer! Nem a Dr. Dre! Isso é uma coisa histórica, que às vezes a gente nem imagina que existiu.
Videoclipe da música Madalena (Entra Em Beco, Sai Em Beco), de Gilberto Gil (1992)Instituto Gilberto Gil
A partir daí, Gil começou a frequentar o Candeal, a cuidar da gente, a levar pessoas que poderiam apoiar. E aí, veio o encontro dele com minha mãe e o que é que ele faz? Grava Madalena, música que minha mãe amava, e virou um grande sucesso daquele verão (1992).
Qual a importância da obra de Gil na sua obra e na música brasileira?
Cena do filme Refavela 40, em que Gilberto Gil participa de show homônimo em Salvador (2019)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Com tudo isso, aí vem as tecnologias e eu disse: "Vou revisitar Gil". Com todo respeito a todos, Gil é o maior gênio da música brasileira! Porque ele é o mais original! Gil é muita autenticidade. Por mais que tenha a questão Recôncavo, Bahia, Nordeste...
Gilberto Gil e Stevie Wonder nos bastidores de show em Washington nos anos 80 (1985)Instituto Gilberto Gil
Essa coisa dele desfrutar da vida, do mundo... Quando ele encontra Fela Kuti, King Sunny Adé, e todo o mundo, ele é igual! Porque ele já era não apenas o que chamamos de Afropop, mas ele é o World Music. E, naquele momento, ele não era o cara que pesquisava. Ele era um tempero daquilo.
O músico em La Halle des Manifestations, França, durante a turnê Gilberto Gil in Concert (2006-07-17)Instituto Gilberto Gil
Quando eu chego na França e Europa – para onde Caetano me leva... ou melhor, primeiro é Djavan quem me leva –, e vejo quem era Gil, cada dia mais eu queria ser aquilo!
Gilberto Gil durante show na França. (1990)Instituto Gilberto Gil
Seus discos, suas colocações aprimoraram minha visão pra música de uma forma muito eficiente. Poucos imaginam que hoje eu trabalho sobre o metrônomo, que é Gil que traz o metrônomo pra música brasileira. Poucas pessoas sabem disso.
Gilberto Gil, Raul Mascarenhas e Paulo Calasans na estréia do show "Quanta" no Canecão. (1997-04-24)Instituto Gilberto Gil
Ou seja, ele deu o primeiro sinal quântico do mundo. Gil sincou a música popular brasileira para o mundo! Preparou para tudo o que viria. E hoje, o mundo não existe sem sync. Gil afinou o satélite, no momento em que ele disse: "Por aqui, os músicos vão ter união".
Gilberto Gil em show do álbum Extra (1983)Instituto Gilberto Gil
Quando Gil grava reggae – com todo respeito ao rei Bob Marley –, ele não foi atrás de Bob Marley, não; ele foi um adendo para o reggae mundial. Ele acrescentou ao reggae mundial, principalmente porque fez um reggae em três, logo, um reggae ternário, que é Extra.
Gilberto Gil, Bem Gil e Carlinhos Brown durante durante gravação do programa Altas Horas (2010-06-12)Instituto Gilberto Gil
Eu não conheço outro. Então, é um tipo de gênio, e eu levaria mais da minha idade pra contar todas as benfeitorias que ele provoca na cultura como um todo.
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Carlinhos Brown e Liminha nas gravações do álbum Tropicália 2 (1993-04-19)Instituto Gilberto Gil
Você afirma que foi você quem trouxe Gil para o Carnaval da Bahia. Conta como foi isso?
Carlinhos Brown:
Com dez anos de Axé Music, o Carnaval começou a dar sinais de enfraquecimento. Foi quando eu criei a Timbalada, que é um movimento paralelo ao Axé, inspirado pelos meus mestres. Ela reinstrumentalizou o Axé.
Gilberto Gil com as filhas Nara Gil e Preta Gil na abertura do Carnaval de Salvador 2003 (2003-02-27)Instituto Gilberto Gil
Em cima do trio, antes de chegar em Ondina, eu vinha cantando, dei uma pausa, e disse: "Ô, mestre, venha aqui no ano que vem, vamos fazer um trio só com você?" Ele disse: "Ah, não quero". Eu segui: “Puxa, eu até falei com Caetano, e ele disse que não queria".Gil pensou e aceitou.
Gilberto Gil, a esposa e empresária Flora Gil e a neta Flor, filha de Bela Gil, assistem ao Carnaval de Salvador no camarote Expresso 2222 (2017-02-25)Instituto Gilberto Gil
E aí, ele foi e fez a questão do camarote. Fez algo de extrema importância porque valorizou demais, o que nós precisávamos. Ele nunca teve interesses comerciais com aquilo, mas sim de interrelações.
Gilberto Gil e a esposa e empresária Flora Gil assistem ao Carnaval de Salvador no camarote Expresso 2222 (2017-02-26)Instituto Gilberto Gil
Então, ele trouxe também esse ensinamento de que o Carnaval também era um espaço de relacionar-se. E isso foi importante, porque remodelou o desejo. Porque o camarote, por si, parecia um clube na avenida. Mas, como era isso?
No camarote Expresso 2222, Gilberto Gil assiste ao desfile do bloco Afoxé Filhos de Gandhy no Carnaval de Salvador (2019-03-04)Instituto Gilberto Gil
Primeiro, era o marketing, uma marca externa se apresentar ali e poder convidar outros relacionamentos. E se mostrar na cidade, e aquela cidade expandir também a sua marca. Então, o visionário tem olhos normais, só que a lente dele é o pensamento, e Gil pensa. É isso.
Para você, qual o diferencial que Gil trouxe ao Carnaval de Salvador?
Gilberto Gil em show no Trio Elétrico Expresso 2222Instituto Gilberto Gil
Um: era o único camarote que tinha trio e não cobrava para o trio sair na rua, e isso já era um diferencial. Dois: ele utilizava o trio como um método de evolução. Ele conseguiu fazer o trio movido a energia solar, a biodiesel... Experiências que ainda farão o trio voar!
Gilberto Gil com Carla Cristina, Daniela Mercury e Margareth Menezes no Carnaval de Salvador (Fevereiro de 2003)Instituto Gilberto Gil
E pelo fato de que no trio, você poderia estar associado a um repertório livre, não apenas àquele repertório de bloco. Ele tem essa capacidade agregadora. Ele ajudou o Vai Quem Vem, e a gente começou a fazer sucesso!
Gilberto Gil e o cantor e compositor Bell Marques no carnaval, durante apresentação no trio elétrico do grupo Chiclete Com Banana (Fevereiro de 2010)Instituto Gilberto Gil
Foi nesse momento, em que ele era um convidado especial, que ele foi em Ondina e, no final do circuito, disse: "Isso é tão bom, que eu vou fazer, sim!'" E, a partir disso, acredito que o Carnaval ganhou outros ares.
Gil tem esse carinho com os blocos...
Gilberto Gil, trajado de Filho de Gandhy, com o caxixi e o agogô, instrumentos característicos da cultura baiana (2020-02-25)Instituto Gilberto Gil
E sem falar dos Filhos de Gandhy, que chegou a um momento de crise. Engraçado, né? Parece que Gil sempre chega nas crises, para resolver! O Gandhy ia acabar se não fosse Gil (em 1972). E ele recupera, reforça tudo, faz aquelas músicas lindas, encontra Caixão, um grande compositor, e faz essas joias todas.
Carlinhos Brown e Gilberto Gil durante o Carnaval em Salvador (Fevereiro de 2009)Instituto Gilberto Gil
Eu sou muito feliz com esse mestre, esse pai. Ele me levou pra a Orquestra Unicamp – a primeira vez que toquei numa sinfônica foi com Gil e com o maestro Benito Juarez. Então, ele é pioneiro em muita coisa na minha vida, e em momentos muito pontuais. Por isso que eu chamo ele de pai até hoje.
É uma relação muito próxima a de vocês. Quase cármica.
Gilberto Gil com o cantor e percussionista Carlinhos Brown durante durante gravação do programa Altas Horas (2010-06-12)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
E ele me chama de 'Braúna', que vem Baraúna, uma árvore de madeira de dá em doido, pau ferro, que nada quebra.
Tem uma coisa muito linda que eu gostaria de dizer: uma vez, no Carnaval, Gil já era ministro da Cultura, ele estava no camarote. Eu cheguei com o trio na frente do camarote, estava tudo em paz, mas veio um policial, pelo lado cego do trio e bateu num menino que estava dançando.
Aí, eu "pedi pra parar, parou!'" e falei: "Globo, Bandeirantes, Gil, seja quem for, olha como a polícia trata a gente! A ditadura pode ter acabado pra vocês, mas não pra gente!" E aí foi uma loucura, e eu falei a palavra apartheid, coisa que não era nem sequer citada no Brasil.
A imprensa conseguiu deturpar tudo e saiu que eu tinha brigado com Gil. E, na verdade, eu não estava pedindo a Gil, estava pedindo ao ministro da Cultura, pedindo socorro a alguém que podia ajudar a gente. Eu pedi isso porque também já enfrentei muita coisa, por ser o que sou.
Gilberto Gil, sua esposa e empresária, Flora Gil, e o cantor e compositor Carlinhos Brown durante café da manhã em Salvador (2011)Instituto Gilberto Gil
Aí, eu fui no camarote e ele foi ver, estava emocionadíssimo. Eu me ajoelhei e cantei Pequei, Senhor. Uma música que diz: "Oh, meu Pai, misericórdia..." Uma música de Mateus Aleluia, dos Tincoãs. Aquilo foi muito emocionante e forte. Foi um grande momento do carnaval.
Gilberto Gil com o cantor e percussionista Carlinhos Brown durante durante gravação do programa Altas Horas (2010-06-12)Instituto Gilberto Gil
Uns idiotas insistiam em dizer que brigamos e Gil disse: "Não! Ele é um libertador! Será que vocês não estão percebendo?" Ele estava ali na consciência. Ele é muito empático, entende a dor dos outros. Onde todo o mundo tinha uma compreensão, ou queria jogar raiva, ele reposicionou aquele engodo.
Gilberto Gil saúda os Filhos de Gandhy durante o carnaval 2020 em Salvador (2020-02-24)Instituto Gilberto Gil
E sabe o que aconteceu? A partir dali, no ano seguinte, os policiais passaram a ser numerados. Pronto. Porque precisava identificar quem eram esses caras que saíam fazendo malfeitos. E isso foi importante para conter a violência.
Para você, qual o principal ensinamento de Gilberto Gil?
Gilberto Gil com o cantor e compositor Caetano Veloso em Londres, durante o período do exílio (Dezembro de 1969)Instituto Gilberto Gil
Carlinhos Brown:
Esse esperançar que eles (Gil e Caetano) acabam cuspindo pra todo o mundo, são informações além do rádio. Porque eles falavam em música, em melodias, em sons e onomatopeias que nem os maiores sábios compreenderiam, porque é necessário ser rítmico para entender a linguagem de Caetano e Gil.
Gilberto Gil e os músicos Caetano Veloso e Carlinhos Brown nos bastidores do show comemorativo dos 469 anos de Guadalajara, cidade mexicana (2011-02-10)Instituto Gilberto Gil
Você não precisa ser estudado. Mas ter um ambiente holístico, espiritual e de decodificação rítmica, porque Gil e Caetano têm a linguagem do tambor. São dois percussionistas da palavra. E, por isso se diferenciam tanto. Está no dom deles, foram escolhidos. E, para os escolhidos, só os excluídos, porque por eles serão confortados.
Gilberto Gil em sua casa na Bahia durante encontro musical com Carlinhos Brown (2020-01-23)Instituto Gilberto Gil
Entrevista e edição de vídeo: Chris Fuscaldo
Edição: Ceci Alves
Montagem: Carla Peixoto
Créditos gerais
Edição e curadoria: Chris Fuscaldo / Garota FM Edições
Pesquisa do conteúdo musical: Ceci Alves, Chris Fuscaldo, Laura Zandonadi e Ricardo Schott
Pesquisa do conteúdo MinC: Carla Peixoto, Ceci Alves e Chris Fuscaldo
Legendas das fotos: Anna Durão, Carla Peixoto, Chris Fuscaldo, Daniel Malafaia, Fernanda Pimentel, Gilberto Porcidonio, Kamille Viola, Laura Zandonadi, Lucas Vieira, Luciana Azevedo, Patrícia Sá Rêgo, Pedro Felitte, Ricardo Schott, Roni Filgueiras e Tito Guedes
Edição de dados: Isabela Marinho e Marco Konopacki
Revisão Gege Produções: Cristina Doria
Agradecimentos: Gege Produções, Gilberto Gil, Flora Gil, Gilda Mattoso, Fafá Giordano, Maria Gil, Meny Lopes, Nelci Frangipani, Cristina Doria, Daniella Bartolini e todos os autores das fotos e personagens da história
Todas as mídias: Instituto Gilberto Gil
*Todos os esforços foram feitos para creditar as imagens, áudios e vídeos e contar corretamente os episódios narrados nas exposições. Caso encontre erros e/ou omissões, favor entrar em contato pelo e-mail atendimentogil@gege.com.br
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