Do Instituto Gilberto Gil
Redação: Tito Guedes, pesquisador musical
Gilberto Gil já afirmou em entrevistas que prefere fazer shows a gravar discos. Essa preferência, no entanto, não o impediu de ser também um excelente músico de estúdio. A prova disso está eternizada em sua discografia, recheada de álbuns celebrados como clássicos definitivos do cancioneiro nacional – e internacional. Para obter esse resultado foi fundamental, além da escolha de bons músicos, um diálogo consistente e bem-sucedido com os produtores musicais, profissionais responsáveis pela condução da equipe no estúdio e por dar forma acabada à ideia do artista. Gilberto Gil teve diversos produtores que foram decisivos para a sua trajetória e soube transformar a maneira com que dialogava com eles ao longo da carreira.
Gilberto Gil em apresentação na década de 1960 (1968)Instituto Gilberto Gil
Os primeiros anos
No início da carreira, Gil costumava adotar uma postura de resguardo em relação ao trabalho dos produtores. Levava suas canções e deixava que eles conduzissem o processo de transformá-las em fonogramas.
Gilberto Gil e seu violão na década de 1960 (Década de 1960)Instituto Gilberto Gil
Foi assim, por exemplo, quando gravou seus primeiros compactos e o primeiro álbum da carreira, Louvação (1967), sob a produção de João Mello.
Gilberto Gil no III Festival da Música Popular Brasileira (1967)Instituto Gilberto Gil
Nos anos seguintes, foi assim também que trabalhou com outros produtores que ajudaram a moldar as transformações do seu estilo musical e seu amadurecimento como compositor. É o caso, por exemplo, de Manoel Barenbein, que foi seu produtor durante a fase tropicalista.
Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso, Jorge Ben e os Mutantes (1968)Instituto Gilberto Gil
Barenbein produziu os álbuns de 1968 e 1969, além do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis, que reuniu outros artistas do movimento musical que revolucionou o cenário da música brasileira na década de 1960, como Caetano Veloso, Tom Zé, Os Mutantes e Nara Leão.
O amadurecimento dentro do estúdio
A virada na sua relação com os produtores e com o estúdio de gravações em si aconteceu com o álbum Expresso 2222, de 1972, o primeiro depois da volta do exílio forçado que viveu em Londres por causa da repressão da ditadura militar então vigente no Brasil. As fartas contribuições do produtor Roberto Menescal, instrumentista e compositor famoso por sua associação à bossa nova, somadas à experiência de Gil nos palcos da Inglaterra e sua cada vez maior intimidade com novas sonoridades e instrumentos como a guitarra o fizeram adotar, a partir daí, uma postura mais autônoma em relação às escolhas artísticas dos seus discos, como os músicos, arranjadores e o tipo de sonoridade que buscava em cada trabalho.
Gilberto Gil e o produtor Marco Mazzola recebem o disco de platina pelo compacto Não Chore Mais (1979)Instituto Gilberto Gil
Posição de band leader
Foi essa posição de band leader que ele adotou na gravação dos álbuns subsequentes, quando trabalhou com produtores como Perinho Albuquerque e Marco Mazzola. Na gravação de Refazenda (1975), Mazzola e Perinho dividiram a produção.
Gilberto Gil e o produtor Marco Mazzola recebem o disco de platina pelo compacto Não Chore Mais (1979)Instituto Gilberto Gil
Depois de trabalhar com Roberto Sant'Ana em Refavela (1977), Gil voltou a encontrar Mazzola nos estúdios durante a gravação de Realce (1979), álbum que lhe rendeu disco de platina.
Entrevista de Gilberto Gil para a TV Cultura (1990)Instituto Gilberto Gil
A era Liminha
Foi no ano de 1981 que Gilberto Gil se associou ao produtor mais presente em sua carreira discográfica. Arnolpho Lima Filho, conhecido como Liminha (ou "Limoso", no apelido carinhoso de Gil), já conhecia o músico baiano desde a década de 1960, quando era baixista do grupo Os Mutantes, com quem Gil chegou a tocar em algumas apresentações. Em 1981, Liminha trabalhava na gravadora Warner Music e já traçava uma ascendente carreira como produtor musical, tendo em seu currículo álbuns históricos como Maria Fumaça (da Banda Black Rio, de 1977) e Frenéticas (do grupo As Frenéticas, também de 1977).
Gilberto Gil e o produtor Liminha nas gravações da canção Vamos Fugir, para o álbum Raça Humana (1984-04-27)Instituto Gilberto Gil
O início da parceria
De olho no currículo de Liminha, Gil o convidou para produzir o disco Luar (A Gente Precisa Ver o Luar) em 1981.
Gilberto Gil e o produtor Liminha na gravação do álbum Raça Humana na JamaicaInstituto Gilberto Gil
Logo na sequência, vieram os discos Um Banda Um (1982) e Extra (1983), duas provas de que o diálogo era bem-sucedido.
Liminha na gravação do álbum Raça Humana na JamaicaInstituto Gilberto Gil
A partir daí, os dois inauguraram uma parceria que atravessou décadas e rendeu quatorze álbuns ao todo.
Gilberto Gil no estúdio Nas NuvensInstituto Gilberto Gil
Gilberto Gil no estúdio Nas NuvensInstituto Gilberto Gil
Um estúdio particular
Os dois abriram como sócios o estúdio de gravação Nas Nuvens, no bairro do Jardim Botânico, que se tornou palco da produção de álbuns históricos da música brasileira. O espaço se tornou, de acordo com Liminha, um “centro cultural”, ponto de encontro de artistas.
Gilberto Gil no estúdio Nas NuvensInstituto Gilberto Gil
Diferente dos outros estúdios, que se situavam geralmente nos corredores fechados de grandes prédios comerciais, o Nas Nuvens foi inaugurado em um dos bairros mais arborizados da cidade do Rio de Janeiro, com direito a quintal e espaço amplo e confortável.
Gravado em 1984, Raça Humana foi o primeiro álbum de Gil produzido nesse estúdio. Além dos sucessos Pessoa Nefasta, Tempo Rei e Indigo Blue, o trabalho lançou também Vamos Fugir, parceria de Gil e Liminha gravada na Jamaica com participação do grupo The Wailers, banda que acompanhou Bob Marley (1945-1981), cantor e compositor jamaicano criador do reggae que tanto influenciou Gilberto Gil. Nessa época, Gil já assumira definitivamente a posição de band leader, mas sempre se mostrou aberto às novidades sonoras que Liminha lhe propunha. Não à toa, o período em que trabalharam juntos representou, na carreira de Gil, uma bem-sucedida guinada em direção ao pop e ao rock, gêneros nos quais Liminha sempre foi especialista.
Gilberto Gil, o produtor Liminha, e os integrantes da banda The Wailers Calvin Bubbles Cameron, David Madden e Lloyd Wiilis, durante gravação da canção Vamos Fugir para o álbum Raça Humana (1984-04-27)Instituto Gilberto Gil
'Clique é Deus'
Pouco interessado em detalhes técnicos das gravações, Gil deixava que o produtor comandasse as máquinas. E costumava dizer que “clique é Deus” (o andamento do metrônomo deveria ser seguido), mas, caso fosse acometido por uma súbita intuição, esta deveria ser obedecida.
Gilberto Gil e Liminha na Jamaica (1984)Instituto Gilberto Gil
Na década de 1980, os dois produziram ainda os álbuns Quilombo (1984), com a trilha sonora de filme homônimo do cineasta Cacá Diegues, Dia Dorim Noite Neon (1985), Soy Loco Por Ti América (1987) e Gilberto Gil Em Concerto (1987).
Gilberto Gil, Liminha e banda recebem o Disco de Ouro pelo álbum Quanta (1997)Instituto Gilberto Gil
Nos anos 1990, vieram Parabolicamará (1992), Tropicália 2 (1993), que marcou seu reencontro com o músico e parceiro Caetano Veloso, e Quanta (1997). Nos anos 2000, os dois se reencontraram em três projetos: Eletracústico (2004), Banda Larga Cordel (2008) e BandaDois (2009).
Uma experiência com Tom Capone
Em 2002, um desencontro contratual separou Gilberto Gil e Liminha momentaneamente. Gil continuava com a Warner Music, mas nessa época Liminha já assinara contrato como produtor na Sony Music, o que o impediu de produzir o álbum Kaya N'Gan Daya, tributo do músico baiano a um de seus maiores ídolos, Bob Marley. A produção, então, ficou a cargo de Tom Capone, paranaense que começou a carreira em Brasília na década de 1980, quando a capital do Brasil vivia o auge da explosão do movimento do rock'n'roll. Não era, no entanto, o primeiro contato dos dois. Em 1998, Capone assumiu a direção artística da Warner Music. Foi ele, portanto, o diretor artístico dos álbuns Gil & Milton (2000), em que o músico baiano se reuniu com o parceiro Milton Nascimento, As Canções de Eu, Tu, Eles (2000) e São João Vivo (2001), trabalhos que homenageavam o compositor e sanfoneiro Luiz Gonzaga (1912-1989), baseados na trilha sonora do filme Eu, Tu, Eles, de Andrucha Waddington.
Gilberto Gil com equipe do álbum Kaya N'Gan Daya (2001)Instituto Gilberto Gil
Capone na Jamaica
Quando Capone se uniu a Gil na produção de Kaya N'Gan Daya, fez parte de um dos momentos mais importantes da carreira do músico. Isso porque a maior parte do disco foi gravada em Kingston, na Jamaica, no lendário Tuff Gong Studios, com alguns músicos que tocaram com Bob Marley.
Gilberto Gil assina contrato com o selo WEA, da Warner Music (2000-04)Instituto Gilberto Gil
No Brasil, Tom Capone reuniu artistas brasileiros em seu estúdio, o Toca do Bandido, e incluiu nos arranjos berimbaus, sanfonas e flautas, o que emprestou uma identidade nordestina ao álbum, que acabou originando o Kaya N'Gan Daya Ao Vivo em 2003.
Gilberto Gil e Tom Capone no camarim do show Kaya N' Gan Daya (2002-05)Instituto Gilberto Gil
A morte prematura de Tom Capone em 2004, em um acidente de moto, impediu que a parceria continuasse, mas o curto período em que trabalharam juntos bastou para inseri-lo entre os produtores mais importantes da discografia de Gilberto Gil.
Bem Gil, filho e produtor
Bem Gil, nascido em 1985, é o sexto filho de Gilberto Gil e o primeiro com a esposa e empresária Flora Gil. Interessado por música desde cedo, enxergou no pai um ídolo e se tornou guitarrista. Desde cedo costumava tocar com o pai durante o carnaval da Bahia, mas em 2006 passou a ser integrante oficial da banda. E se Bem enxergou no pai um ídolo, Gil não demorou a encontrar no filho um novo produtor.
Gilberto Gil e Bem Gil em ensaio para lançamento do álbum Fé Na Festa no estúdio Palco (2010-04-30)Instituto Gilberto Gil
Começando a produzir
Depois de ter ganhado mais experiência como assistente de diretor artístico na produção do álbum Fé Na Festa Ao Vivo (2010), Bem assumiu, em 2014, a produção do álbum Gilbertos Samba ao lado de Moreno Veloso, músico e filho de Caetano Veloso.
Gilberto Gil, Bem Gil, Sérgio Chiavazzoli, Thiago Braga e Toninho Ferragutti no estúdio Palco (Abril de 2010)Instituto Gilberto Gil
Em 2018, Bem produziu OK OK OK, álbum de canções inéditas e autorais que refletem as memórias, os afetos e o estado de espírito que o compositor baiano vivia naquele momento.
Gilberto Gil e Bem Gil em ensaio para lançamento do álbum Fé Na Festa no estúdio Palco (2010-04-30)Instituto Gilberto Gil
O trabalho venceu em 2019 o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, consolidando o amadurecimento de Bem como produtor musical e anunciando uma nova fase na carreira de Gilberto Gil.
Gilberto Gil e Bem Gil em ensaio para lançamento do álbum Fé Na Festa no estúdio Palco (2010-04-30)Instituto Gilberto Gil
Pesquisa e redação: Tito Guedes
Montagem: Chris Fuscaldo
Agradecimentos: Liminha
Créditos gerais
Edição e curadoria: Chris Fuscaldo / Garota FM Edições
Pesquisa do conteúdo musical: Ceci Alves, Chris Fuscaldo, Laura Zandonadi e Ricardo Schott
Pesquisa do conteúdo MinC: Carla Peixoto, Ceci Alves e Chris Fuscaldo
Legendas das fotos: Anna Durão, Carla Peixoto, Chris Fuscaldo, Daniel Malafaia, Fernanda Pimentel, Gilberto Porcidonio, Kamille Viola, Laura Zandonadi, Lucas Vieira, Luciana Azevedo, Patrícia Sá Rêgo, Pedro Felitte, Ricardo Schott, Roni Filgueiras e Tito Guedes
Edição de dados: Isabela Marinho e Marco Konopacki
Revisão Gege Produções: Cristina Doria
Agradecimentos: Gege Produções, Gilberto Gil, Flora Gil, Gilda Mattoso, Fafá Giordano, Maria Gil, Meny Lopes, Nelci Frangipani, Cristina Doria, Daniella Bartolini e todos os autores das fotos e personagens da história
Todas as mídias: Instituto Gilberto Gil
*Todos os esforços foram feitos para creditar as imagens, áudios e vídeos e contar corretamente os episódios narrados nas exposições. Caso encontre erros e/ou omissões, favor entrar em contato pelo e-mail atendimentogil@gege.com.br
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