Mosaico das Musas. Villa Romana de Torre de Palma (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Villa Romana de Torre de Palma
As ruínas da villa romana de Torre de Palma, Monforte, Portugal, cuja ocupação inicial data do século I d. C., estendem-se por uma vasta área. São constituídas por vários núcleos com funções diferenciadas.
Uma residência com enormes dimensões era ricamente decorada: os pavimentos eram revestidos com mosaicos de qualidade assinalável, considerando o território atualmente português.
Os proprietários desta villa terão pertencido a uma poderosa família romana ou romanizada, a família dos Basilii>/i>.
São ainda hoje visitáveis a residência do proprietário, e infraestruturas de apoio à produção agrária, como: celeiros, armazéns, adegas, lagares, estábulos. A villa possuía também duas zonas de balneários privados.
Em época tardia foi construída uma basílica paleocristã, edificada sobre um templo romano, que sofreu várias reestruturações entre finais do século IV e o século VII.
A importância do local perdurará até à Idade Média, com o reaproveitamento de parte das paredes da antiga basílica para a edificação da capela de S. Domingos, construída no século XIII, que se manteve em uso até ao século XVIII.
Mosaico das Musas. Mosaico das Musas (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Mosaico das Musas
O Mosaico das Musas provém de escavações efetuadas na Villa Romana de Torre de Palma, Monforte, uma das mais notáveis casas agrícolas de Época Romana conhecidas no Sul de Portugal.
Trata-se de um mosaico tardio de uma oficina itinerante africana (possivelmente da Tunísia).
Descoberto em 1947, foi levantado por uma equipa de técnicos italianos de Florença, após escavações efectuadas por Manuel Heleno, Director do Museu Nacional de Arqueologia.
Situado no triclinium (a sala de jantar), era constituído por 11 painéis figurativos com temas mitológicos.
A grande originalidade deste mosaico das Musas resulta da sua associação à iconografia dionisíaca.
Afinal são as Musas que inspiram as três principais atividades do mundo do espetáculo dionisíaco: o teatro, a dança e o pantomimo.
Painel I (As nove Musas)
Painel II (Cena Báquica)
Painel III (Sileno e Sátiro)
Painel IV (Duas Ménades)
Painel V (Dois Membros do Tiaso)
Painel VI (Apolo e Dafne);
Painel VII (Hércules e Mercúrio)
Painel VIII (Medeia Infanticida)
Painel IX (Mégara e Hércules)
Painel X (Triunfo de Baco)
Painel XI (Teseu e Minotauro).
Mosaico dos Cavalos de Torre de Palma (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Mosaico dos Cavalos
Nesta magnífico mosaico, os cavalos são identificados pelos seus nomes próprios.
O mosaico atesta a exploração equina neste território em período romano, havendo mesmo quem defenda que estes exemplares têm similitudes com o que se designa atualmente «Cavalo Lusitano».
Mosaico dos Cavalos
Os cavalos da Lusitânia tinham fama de ser muito velozes, afirmando Plínio, o Velho na sua História Natural que pareciam ser gerados pelo Vento.
Diz-se que na Lusitânia, em torno da cidade de Olisipo e do rio Tejo, quando o vento favónio sopra, as éguas, voltadas para ele, recebem o sopro de ar, e isto produz uma cria e deste modo se gera uma velocíssima, mas que não excede os três anos de vida. (Plínio, História Natural 8.67.166).
"Este vento fecunda as coisas que vivem da terra – efectivamente, até as éguas na Hispânia, como dissemos". (Plínio, História Natural 16.39.93)
Mosaico das Musas. Mosaico das Musas. (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
O Mosaico das Musas
O mosaico apresenta as nove musas com os respetivos atributos. São as nove musas que introduzem as histórias mitológicas de Torre de Palma. Apresentam-se aqui com solenidade e têm um carrapito no alto da cabeça (atributo usado desde o século II), sinal de inspiração ou sabedoria, e que simbolizam a sua vitória sobre as Sirenas.Na base do mosaico está uma legenda: SCO [pa a]SPRA TESSELLAM LEDERE NOLI VTERI F[elix] (“não estragues o mosaico com uma vassoura áspera. Felicidades”).
As Musas
As Musas aparecem-nos segundo esta ordem:
Clio (História);
Euterpe (Música);
Erato (poesia lírica;
Tália (Comédia);
Melpómene (Tragédia);
Urânia (Astronomia);
Calíope (poesia épica);
Polímnia (hinos e pantomimo);
Terpsícore (poesia lírica e dança).
«Que varão ou herói escolhes tu celebrar,
Clio, com lira ou aguda tíbia?
Que deus?»
Horácio Odes 1.12.1-3
Mosaico das Musas. (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Cena Báquica
Os elementos decorativos desta cena, onde, nos quatro cantos, são representadas folhas, duas das quais parecendo videira, fazem-nos crer que pertencerá a uma cena báquica.
Duas figuras coroadas com folhagem sugerem um homem a acariciar o queixo uma mulher, da qual só é visível a cabeça.
Mosaico das Musas. Sileno e Sátiro. Painel III Mosaico das Musas (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Sileno e Sátiro
Sileno, responsável pela educação de Dioniso/Baco, embriagado, apoia-se num sátiro, jovem companheiro, normalmente representado com orelhas, cauda e pés de cabra. A sua presença é constante no cortejo de Dioniso/Baco.
"(…) Seguem-te Bacantes e sátiros,
e o velho ébrio que sustém o corpo cambaleante com o bastão
e nem se aguenta bem sobre a carupa encurvada do burrico"
Ovídio, Metamorfoses, Livro IV
Mosaico das Musas. Cena báquica com duas Ménades. Painel IV do Mosaico das Musas (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Bacantes
Nesta cena estão representadas duas Ménades, iniciadas no culto de Baco, que faziam parte do seu séquito.
Note-se na figura da esquerda o movimento das vestes e os pés descalços, na da direita a cabeça coroada de pâmpanos o tirso e um instrumento musical.
"Ide, Bacantes!/ No esplendor do Tmolo de áureo curso,/ cantai a Diónisos/ ao surdo rufar dos tamboris,/ glorificando o deus – Evoé! Evoé! – / com os frígios clamores e vozes estridentes,/ quando a flauta sonorosa/ e sagrada os sacros cantos entoa, próprios/ para os que vão vaguear para a montanha, para a montanha". (153-163) (…)
EURÍPIDES, As Bacantes, trad. Maria Helena Rocha Pereira, Edições 70, Lisboa, 1998.
Mosaico das Musas. Dois Membros do Tíaso de Baco. Panel V. Mosaico das Muses (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Cena Báquica
Nela estão representadas duas personagens, com a cabeça ornada de folhas, uma à direita, masculina, nua com um manto ou pele sobre o ombro e a outra, de pé, manto traçado, braços envoltos e de ar atento.
Mosaico das Musas. Apolo e Dafne. Painel VI. Mosaico das Musas. (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Apolo e Dafne
Nesta cena, onde à esquerda está representada Dafne, filha do deus-rio Peneu, olhando aterrorizada para Apolo, filho de Zeus, e uma das grandes divindades da Antiguidade.
Apolo está sentado num rochedo, descansando a cabeça, e traz a sua lira.
Apolo ter-se-á apaixonado por Dafne, que não sucumbiu ao seu encanto, tendo-se metamorfoseado num loureiro para escapar aos avanços do deus.
«Já que minha esposa não podes ser,
serás ao menos a minha árvore. Os meus cabelos sempre
te terão, e a minha cítara, ó loureiro, e a minha aljava. [...]»
Ovídio, Metamorfoses (trad. P. Alberto), Lisboa, Cotovia, 2004.
"O primeiro amor de Febo foi Dafne, filha de Peneu. Não foi
o acaso ignaro a induzir-lho, mas a cólera cruel de Cupido.
[...] Logo este se enamora, a outra foge à ideia de um amante.
[...] Febo está apaixonado. Ao ver Dafne, deseja desposá-la,
e tem esperança no que deseja: os seus oráculos iludem-no.
[...] Ela foge mais veloz
que a leve brisa, nem pára quando ele a chama de volta [...].
«Ajuda pai», gritou, «se vós, os rios, tendes poder divino!
Extingue e transforma esta figura, demasiado atraente!»
Mal termina a prece, um pesado torpor invade o corpo.
O macio peito da jovem é envolto por uma fina casca,
os cabelos alongam-se em folhas, os braços em ramos,
os pés, há pouco tão lestos, fixam-se em indolentes raízes;
o rosto faz-se copa: só o seu esplendor permanece nela.
Ainda assim Febo a ama. E apoiando a mão no tronco,
sente o peito ainda a palpitar debaixo da casca recente.
Abraça nos braços os ramos, como se membros fossem,
cobre de beijos o lenho; mas o lenho aos beijos se esquiva".
Ovídio, Metamorfoses, trad. P. Alberto, Lisboa, Cotovia, 2004.
Mosaico das Musas. Mercúrio e Hércules. Painel VII. Mosaico das Musas (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Dioniso/Baco e Hércules
“O concurso de bebida entre Baco e Hércules” é um tema famoso da mitologia antiga.
Hércules barbudo, desequilibra-se, pois está ébrio, e faz um gesto com a mão direita para evitar a queda e senta-se sobre um rochedo. Na cabeça usa uma coroa semelhante à de Apolo. A pele do leão de Nemeia, cuja morte foi o primeiro Trabalho de Hércules, cinge-lhe os rins.
Em segundo plano, parcialmente oculto por Hércules, está um jovem com a cabeça coberta por um pétaso, um dos atributos de Hermes/Mercúrio. Na mão segura um cajado e olha para o herói que tenta impedir de cair.
Mosaico das Musas. Medeia concebendo o infanticídio. Mosaico das Musas. Painel VIII (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Medeia concebendo o infanticídio
Medeia, filha de Eetes, rei da Cólquida, apaixonou-se por Jasão. Detentora de poderes mágicos, Medeia auxiliou Jasão a apoderar-se do Velo de Ouro que Eetes guardava.
Mais tarde, Jasão desprezou Medeia, consorciando-se com a filha do rei de Corinto, Creúsa. Repudiada, Medeia decide vingar-se e mata os seus próprios filhos.
Nesta cena trágica vemos Medeia de braços cruzados, trajando o vestido comprido dos atores trágicos. A mão esquerda segura o punho da mão direita que parece ter uma adaga. Entre as duas personagens, em plano intermédio, é visível uma criança (talvez um dos seus filhos).
A segunda personagem é um homem que aparece em plano recuado, trazendo um chicote numa mão e uma tocha noutra.
"Ergue para os teus filhos, Jasão, a pira funerária e prepara-lhes o túmulo.
Por mim sepultados, a tua mulher e o teu sogro receberam já o que é devido
À morte; este teu filho foi ao encontro do seu destino; a este outro darei, diante
Dos teus olhos, morte idêntica"
Séneca,Medeia, trad. R. Duarte, Lisboa, Sá da Costa, 2010.
Mosaico das Musas. Mosaico das Musas. Painel IX (Hércules furioso) (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Hércules furioso
Neste Painel representa-se Hércules, como é conhecido entre os Romanos Héracles, filho de Zeus e de Alcmena, o mais famoso dos heróis gregos.
Trata-se do momento dramático em que Juno/Hera, enciumada por mais uma relação extramatrimonial de Zeus, enlouquece o herói, que não reconhece os filhos e os mata. Hércules, imponente, segura uma tocha.
A seus pés estão duas crianças ajoelhadas. Mégara tem um olhar triste ou apreensivo.
A figuração de Hércules possuído pelo “furor” é rara em mosaicos.
"E Alcmena gerou o forte Héracles,
Unida com amor a Zeus que amontoa as nuvens"
Hesíodo, Teogonia 943-944)
"Para onde hei-de fugir?
Onde hei-de esconder-me, em que terra enterrar-me?
Que Tánais ou que Nilo ou que Tígris de violenta corrente ou Reno feroz
ou Tejo correndo turvo com o ouro da Ibéria
poderá lavar a minha dextra?"
(Séneca, Hercules Furens 1321-1326)
trad. Ana Lóio
Mosaico das Musas. Mosaico das Musas. Painel X (Triunfo de Baco) (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Triunfo de Baco
É conhecida na Mitologia essa grande viagem percorrida por Dioniso/Baco no Oriente, até à Índia.
De regresso, vitorioso, faz-se acompanhar por um séquito, no qual participavam Sileno, as Bacantes, ninfas, sátiros e mesmo o deus Pã. Todos levavam o tirso enlaçado com folhagens, cepas de vide, coroas de hera, instrumentos musicais. Dioniso/Baco abre a marcha.
O cortejo compreende dezasseis personagens que avançam para a direita. É visível um carro puxado por dois tigres, cujas rédeas são seguradas por um jovem sátiro e também por Pã.
Uma Ménade segura o tirso, outra traz uma flauta.
"... ó Líber,
[...] seguem-te Bacantes e Sátiros,
e o velho ébrio, que sustém o corpo cambalente com bastão
e nem se aguenta bem sobre a garupa encurvada de burrico.
Por onde quer que vás, ressoam, com o clamor das jovens,
os gritos das mulheres, e os pandeiros percurtidos pela palma
das mãos, os côncavos bronzes e as longas flautas de buxo”.
(Ov. Met. 4.25-30)
Mosaico das Musas. Teseu e o Minotauro. Mosaico das Musas. Painel XI (Século IV d.C.)Museu Nacional de Arqueologia
Teseu e o Minotauro
O painel representa o herói Teseu e o Minotauro, com corpo de Homem e cabeça de Touro. Por trás deles vê-se o labirinto no qual o Minotauro fora aprisionado.
O tema do minotauro é recorrente em mosaicos, por todo o Império Romano.
O Minotauro nasceu da união de Pasífae, mulher de Minos, com um touro que fora enviado a este rei por Posídon. Foi morto pelo herói Teseu, filho do rei de Atenas, por quem Ariadne, filha de Minos, se apaixonou, auxiliando-o na sua missão.
O tema do Minotauro é recorrente em mosaicos, por todo o Império Romano.
"MAL desembarca e toca na terra dos Curetes, Minos cumpriu
os votos prometidos, sacrificando um cento de touros a Júpiter,
e adornou o seu palácio pendurando os despojos como troféus.
Agora, o opróbrio da família crescera: estava à vista de todos,
pela estranheza do monstro biforme, o imundo adultério da mãe.
Minos decide expulsar esta vergonha para o seu matrimónio
e fechá-la numa casa complexíssima, de aposentos nas trevas.”
(Ov. Met. 8.152-158)
Ficha Técnica
Coordenação:
António Carvalho
Textos e Conteúdos:
Ana Lóio, Centro de Estudos Clássicos
Filomena Barata, Museu Nacional de Arqueologia
Coordenação Digital:
Luís Ramos Pinto
Revisão da tradução Inglesa
Joy Littlewood (independent scholar based at Oxford)
Bibliografia Sumária:
ALVES, Francine, “O Labirinto no Mosaico Pavimental Romano”, Revista do Instituto de História da Arte 3, 2007, 40-51
(https://run.unl.pt/bitstream/10362/12471/1/ART_3_ALVES.pdf)
ABRAÇOS, Maria de Fátima, “Os mosaicos romanos descontextualizados: alguns exemplos em coleções de Museus Arqueológicos nacionais e estrangeiros”, in G. Filipe, J. Vale, I. Castaño (eds.), Patrimonialização e Sustentabilidade do Património: Reflexão e Prospectiva, Lisboa: Instituto de História Contemporânea, FCSH/UNL, 458-476
ABRAÇOS, Maria de Fátima, Para a História da conservação e restauro do mosaico romano em Portugal, Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, policopiado
(http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_4/volume_23/historia_conservacao.pdf)
LANCHA, J., “À propos de quatre vues inédites (1947) de la mosaique des Muses de Torre de Palma, retrouvées en 2003 au Musée National d'Archeologie”, O Arqueólogo Português 22, 1983, 353-391
LANCHA, J., “As produções musivas na Lusitânia”, in A. Carvalho, J. M. Álvarez Martínez, C. Fabião (eds.), Lusitânia Romana. Origem de dois povos, Lisboa: INCM, 2016, 330-341
LANCHA, Janine, ANDRÉ, P., Torre de Palma: corpus dos mosaicos romanos de Portugal. Lisboa: Instituto Português de Museus e Missão Luso-Francesa, 2000, 157-213
RIBEIRO, José Cardim (coord.), Religiões da Lusitânia: Loquuntur saxa, Lisboa: IPM, 2002.
MatrizMet
«Mosaico das Musas»
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