CO-2003
Graciano, Clóvis. [Carta] 1939 jun. 9,
São Paulo, SP [para] Candido Portinari, [s.l.]. 5 p. [manuscrito]
Caro Portinari
Saúde.
Vamos bem. A turma manda lembranças.
Seus trabalhos chegaram bem, estão bem colocados, impressionam de maneiras diversas. Mas sempre impressionam.
Os artistas e intelectuais elogiam quase que sem restrições. De um modo geral a “Jangada” agrada-os mais.
Pra mim as “Duas Mulheres” estão pintadas definitivamente. É um passo além dos afrescos. Impressionam-me a plástica e matéria dos vestidos, a importância que as duas cabeças conseguem no meio daquela oposição de cores e a facilidade com que se compreende o significado. É quase um letreiro dizendo união das raças ou das Américas.
Na menina e mulher sentada o desenho resolveu tudo. Não ficou quase nada para a pintura.
A maioria dos profanos se assusta e fica impressionada. Passada a primeira impressão, procuram uma justificação para “aquilo”. E surgem as perguntas: “o que significa”, “o que quer dizer”. As respostas que a gente dá convencem apenas 1%, porque depois começam os “mas então porque ele não fez assim?”, “porque ele não fez assado?”.
Uma grande parte (e mesmo alguns artistas) irritam-se solenemente com o fato de você ter modelado as cabeças e deixado os braços e pernas chatos (e de outra cor). O Gobbis moldureiro perguntou se a mulata estava de luvas e meias.
Um garoto explicou a outro que a loira tinha desatolado a companheira do brejo.
Um rapaz de uns dezoito anos, talvez estudante, veio, olhou bastante e foi-se embora. Ontem, voltou com dois colegas e procurou convencê-los de que a “Jangada” era formidável. Os outros não toparam. Mas ele diz que ainda volta umas duas ou três vezes por causa daquele quadro.
O pessoal da velha guarda tem apenas um “desprezo superior” e não dá muito palpite.
Ainda não saíram críticas. O Sérgio Milliet escreverá no “Roteiro” do dia 20.
O Paulo Mendes de Almeida começa uma série de artigos hoje ou amanhã. A revista “Cultura” dará duas páginas no próximo número. A “Rotogravura” do “Estado” também.
Parece que o Alfredinho Mesquita vai
escrever alguma coisa. O Armandinho e o Paulo Magalhães trouxeram-no aqui ontem. Ele deu duas voltas e achou que estava tudo triste. O Paulo M. disse que era fome.
Abraços a todos vocês e ao Santa Rosa.
Clóvis
Quando saírem as críticas eu mandarei.
2