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Letter

José Jobim

Projeto Portinari

Projeto Portinari
Rio de Janeiro, Brazil

Diz estar nviando artigo sobre a morte de Madeleine Foujita. Tece diversos comntários sobre artistas e amigos em geral. Fala sobre sua vida no Japão. Repete sua declaração de enormes saudades, especialmente das macarronadas de Maria Portinari e das visitas à casa dos Portinari.

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  • Title: Letter
  • Creator: José Jobim
  • Date Created: 1936-07-01
  • Location: Rio de Janeiro RJ, Tóquio JAP
  • Provenance: Portinari Project Collection
  • Transcript:
    CO-2356 Jobim, José. [Carta] 1936 jul. 1, Tóquio [para] Candido Portinari; Maria Portinari, [Rio de Janeiro, RJ]. 2 p. [datilografado] Heróicos Chicos Aí vai um recorte com a notícia da morte da mulher do Foujita. Coisa louca. Ela morreu, como verão pela notícia, no domingo de tarde. Na sexta-feira, à noite, eu estava no hotel imperial com o embaixador e a vi. Boa, boníssima, elegantíssima, alegríssima. Mando também a fotografia de uma decoração que o Foujita fez no café do Brasil aqui. O escudo vai por conta da imbecilidade do Assumpção, o concessionário da propaganda. Foujita me disse que pusera uma porção de negrinhos, mulatinhos, mas que o pessoal brasileiro do café reclamou. Transformou, por isso, os negrinhos em mulatinhos e os mulatinhos em moreninhos. Plano racista fabuloso, melhor que a edição do Hitler, não é? Seus Chicos, seus Chicos, estou com saudades de vocês. Como vai a Olga? Estou com saudades das macarronadas, dos telefones da Maria, dos estrilos do Palanim. Aqui não tem nada disso. Bopp anda busy, very busy, preocupado lá em Yokohama, com o Consulado e com suas trinta pequenas, trinta, nada mais, nada menos. Tem pequenas que são criadinhas e tem pequenas que são estrelas de cinema. Grandes e pequenas, bonitas e bujos. Ele topa tudo. Sultão dolicoloiro instalado no Japão. Macarronadas aqui não há. De vez em quando gasta uns yenzinhos no Imperial para comer um talharim. Talharim besta, insoso, feito para ser comido pelos holandeses de Java, as americanas do Pacífico, os japoneses snobs e os brasileiros ou italianos que fazem força para não esquecer o gosto de macarrão. Os Leão Velloso, os embaixadores, são os melhores sujeitos do mundo. Mas são embaixadores. Vivem na Embaixada. Comer na embaixada não é o mesmo que comer na casa dos Chicos, onde tem um divâ para a gente fazer a sesta, onde se tira o paletó, onde se ouve o Baldemaire falar num Cleobulo. Como vai o Cleobulo? Ainda estou vendo o retrato dele by Baldemaire, o Cleobulo de túnica grega ao lado da acrópole. O Cleobulo ainda dá em cima do Queiroz, no bonde, com a camisinha sport aberta e deixando ver o peito cabeludo. Oh chentes que tens cabelo, Cleobulo. Mas, com cabelo ou sem cabelo, o Baldemaire gosta do menino. Um gosto vale mais do que dois vinténs, segundo o Baldemaire. O almoço da Maria sou eu quem o paga. Ela é minha convidada. Isso ele disse a mim e ao Bopp no Amarelinho, tratando daquele almoço louco dos caiçaras. E nós que acreditamos na história. Só depois é que fomos descobrir que ele conseguira o almoço de graça. Mas, aquela de pagar o automóvel de volta para os Chicos foi fenomenal. Ah o Aldrabão. E o Cleobulo que madrugou nos caiçaras para arrumar as florzinhas. É verdade que o espanholito, que deu o fora no Baldemaire e cuja passagem este pagou, resolveu agora ser toureiro? Queria ver o Baldemaire aqui. Aqui tem um teatro de revistas, o Takarazuka, em que só representam gurias. Há gurias que se transformam em meninos deliciosos. Tão deliciosos que, às vezes, preciso fazer para afastar sugestões equívocas. Tenho ali um amigo, que poderia concorrer com o Cleobulo, um brasileiro perdido por aqui, não direi o nome dele por ser discreto, que quando vai ao Takarazuka fica doente uma semana. Gosta da samuso-san que é o galã principal. Um galãzinho fresquinho, rechonchudinho, gostozinho, que me faz compreender a história do Wilde, e do Maurice Rostand, a história do amor que um dia poderá ser chamado publicamente de amor. Não me lembro mais dos versos. Tenho o livro e vou mandá-lo para o Baldemaire. Se o Cleobulo morrer poderá ter no túmulo a mesma inscrição. Deixemos o Baldemaire, coitado, que afinal não é um mau gajo. E esse gajo horroroso que se chama Di Cavalcanti? Continua a desmoralizar os comunistas brasileiros? Soube de coisas fabulosas dele em Paris. Começou descendo no Hotel Danjou, dizendo que viera recomendado por mim. Mentira. Apenas o safado sabia que o meu prestígio com a mère Liandier é inesgotável. Quando chego e quando saio e começo assim: Madame Liandier permettez-moi de vous embrasser. Beijo as bocejas gordas e flácidas da velha. Boa velha. A melhor francesa do mundo. Se a beijo quando chego, ela sorri. Mas, se a beijoca é de despedida, ela me retribui a acoladade e depois sai se arrastando depressa para o quarto e diz: merde alors. O Di, safado, sabia disso, se instalou lá. Felizmente, o Sotero desconfiou e disse à velha: o Jobim não recomendaria esse sujeito, que é um malandro. A velha passou a cobrar adiantado. E como o plano do malandro era dar o calo, achou melhor demenager. Mas, enquanto viveu lá, dava porrada toda noite na Noemia. Coitadinha da Noemia. São dessas histórias loucas. A barriga do Di, sem cinta, deve dar asco. E aquela boca. Pois a Noemia agüenta tudo sem necessidade. Vou falar agora do Sotero: está outro, está aliás fazendo affiches que têm agradado. Reconhece que não faz pintura. Que pintura é uma coisa seriíssima e que, de pintura, o único que sabe, sabe de verdade, é o Chico, de quem ele gosta muito. Diz que o Chico é um envenenado, mas que gosta dele, Sotero. O homem mudou, seus Chicos. Respeitemos a antiga fome do Danjou. Fome é um negócio que transtorna. E depois, aquela história que o Queiroz gosta de contar: uma pequena que faz a vida chamada alegre, no interior de Minas, arranja um coronel, e vem pro Rio. Em Minas, ela não ganhava nem para o sabonete. Tinha-se de se contentar com o sabão de cinza. E como o coronel carioca lhe dá dinheiro, ela vai comprar jóias, Não compre jóias decentes, quer coisa berrante, para afichar. Vinga-se, seus Chicos, vinga-se do sabão de cinza. Assim fez o Sotero. Perdoem-no. Sotero, aliás, é um bom sujeito. Vocês sabem que eu tenho vários motivos de queixa dele. Passei a esponja de vez. É bom mesmo. E a Fernanda, então, é um anjo. Só fala na Nena, que faz a Nena, como se veste a Nena, como Portinari trata a Nena. A Fernanda é um anjo. Sotero está ganhando bem Pois a Fernanda só tinha um par de meia, e remendado. Eu que a obriguei a ir á Galeria Lafayette comprar umas meias. Porquê? Não quer gastar os cobres do petit chou. Não esqueçamos que a Fernanda é francesa. E encontrar gestos dessa ordem numa francesa dá direito à gente a chamá-la de anjo. Boa menina, de verdade. Cretino, cretiníssimo, super-cretino é o grande amigo do Palanin, o homem das gravatas a Lavallière, o Manoel não sei do que, que anda por Paris ruminando o prêmio de viagem. Pintor tem de ser inteligente. Pintor burro só pode fazer burrada. Não a inteligência falsa do Di, chantagista e escroque intelectual. O tal Manoel, me esquece o nome dele, perguntou ao Sotero, o que pensava o Sotero sobre o Grand Salon. Antes do Sotero responder, isso na minha frente, ele disse que “o Portinari recebera um premiozinho numa exposição particular da América”. O Sotero disse a ele que ele devia expor no Grand Salon. Ele ficou interessadíssimo. Disse que seria uma glória para o Brasil. O Sotero perguntou se ele conhecia o Souza Dantas. Disse que não. Então, o Sotero disse: o Jobim conhece e tem prestígio com o embaixador. Ele arranjará uma carta e você exporá na melhor sala. O burro ia ouvindo tudo, contente e sem compreender. Depois o Sotero disse: agora expor na Carnegie, que deu o premiozinho ao Portinari, é mais difícil. O burro não compreendeu. Deve estar agora no Grand Salon e os telegramas da Havas, que substitui americana, devem estar batendo por aí. Vamos deixar de intrigas. Dona Maria Portinari, cansada de glória, técnica em macarronadas, dona do zepe que quase me deixou louco e me arruinou quando foram para São Paulo, Dona Maria Portinari, que quando não gosta das pessoas, fica no quarto, a pretexto de estar com enxaqueca, mas que, quando gosta, é a melhor amiga do mundo, que não esquece de telefonar para as macarronadas domingueiras e fica zangada quando a gente não vai. Dona Maria Portinari, que ensinou a cozinheira a fazer um feijão com carne seca que é uma delícia, que descobriu o Portinari para o Portinari, que posou para os primeiros grandes retratos dele, Dona Maria Portinari, que uma turma de sujeitos safados, gênero Bopp, Queiroz e esta besta que escreve, respeita e quer como irmã. Os Chicos sendo um só, não seriam os Chicos. Os Chicos têm de brigar na frente da gente e fazerem as pazes, escondidinhos. O Chico solta um desaforo. A Chica responde com outro desaforo. A Chica fica danada e vai pro quarto lero “Paratodos” ou a “Cinearte”. O Chico continua a conversar com a gente na sala. Mas o Chico não conversa, o Chico está nervoso. E, daí a pouco, dá o fora para ir buscar a Chica. Estou com saudades de vocês. Se eu pudesse estaria hoje aí, para comer uma macarronada. Misturar a macarronada com arroz e feijão e começar a comer, paciente e sybariticamente, depois que todos já tivessem acabado. E depois cair no divã. Vida pau estou fazendo aqui. Passo o dia estudando inglês e a Ásia. Estou com uma livraria sobre Extremo Oriente. Mas os negócios ainda não estão resolvidos. Não sei se ficarei aqui ou se voltarei para o Brasil, para a vidinha antiga, ou se tocarei para Hong Kong, onde estou namorando uma situation. Dentro de dois dias vou dar um pulo a Pequim. Voltarei ao Japão dentro de quatro semanas. Depois tomarei rumo definitivo. E esta besta do Queiroz que não vem. Não ata nem desata. Despachem o esteta. Talvez convenha a ele mais ficar por aí. Está importante. Colaborador de mensagens presidenciais. Dando as cartas. Mas eu dava a vida para ter o Queiroz por aqui. Queria ver o bicho diante do Japão, que é mesmo fabuloso, mas diferente do que o mestre Bopp conta. Vou parar, pessoal. Vocês já estarão sem fôlego. E tenho agora que ir almoçar na embaixada e depois sair com o embaixador para visitar a redação de um jornal japonês que tira 5 milhões de exemplares e que emprega como repórteres 36.289 pombos correios. Maria vai ganhar uma bolsa de bambu.
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  • Type: letter
  • Publisher: Projeto Portinari
  • Rights: José Jobim
  • External Link: http://www.portinari.org.br
  • Number: 2356
  • Collection Data Type: CO
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